Barriga cheia, boca fechada: a arte de refletir sobre julgamentos que fazem de nós
Todos sabem que costumo reclamar das coisas de vez em quando. Isso faz parte de mim e do meu espírito, digamos, contestador por natureza. Mas tenho a consciência de que o faço com conhecimento de causa e sentimento na pele. Reclamo do salário, reclamo do calor, reclamo do frio. Reclamo de vozes muito altas e de vozes baixas demais. Reclamo da falta de segurança, da falta de senso, da falta de amor, da falta de esforço e da falta de noção.
E, claro, reclamo de quem reclama sem razão.
Antes de chegar ao ponto chave desta crônica, vou fazer uma breve apresentação como forma de contextualizar essa reclamação, digamos, literária. Impossível resumir aqui tudo o que tenho para contar, mas, vamos lá: sou filha de um empreiteiro de obras bem sucedido (eufemismo para pedreiro-chefe) e de uma dona de casa que já fez artesanato, curso de camareira e que, hoje, tenta a vida como organizadora de armários – ou personal organizer, nome oficial da sua mais nova profissão. Ambos possuem escolaridade até o Ensino Médio e sempre fizeram o máximo por mim e minha querida irmã. Eu os amo mais que tudo.
Desde pequena, sempre fui acostumada a ter o básico e necessário à sobrevivência. Nunca tivemos TV por assinatura. Nunca saímos do país. Nunca tivemos um carro com menos de 20 anos de uso. Nunca tivemos casa própria. Nunca morei em bairros nobres e livres de violência. Apenas tivemos uns aos outros – o que sempre foi mais do que suficiente.
Você que se fecha em seu mundinho do consumo pode até pensar, por essa breve descrição, que somos uns limitados. Mas é aqui que o engano corre para o seu abraço! Ao contrário, me considero a pessoa mais rica do mundo! Agradeço a Deus, todos os dias, por ter saúde, amor e um cérebro em pleno funcionamento.
Sempre ouvi, quase que em forma de pregação religiosa, que minha única herança residia nos estudos. Se eu tirasse um 9,8 em matemática, vixi... Levava a maior bronca da minha mãe. A ordem da casa era aproveitar ao máximo cada oportunidade que a vida colocasse em meu caminho e assim, com muito orgulho, o fiz.
Quando todos diziam que eu passaria fome como jornalista e que eu não frequentava colégios bons o suficiente para me permitir ingressar em uma universidade pública, estampei meu nome na lista de aprovados – em primeira tentativa - de duas importantes federais e uma estadual, em um curso que era o terceiro mais concorrido naquela época. Difícil, sim, mas não impossível – custou tentar, mas valeu à pena. Graças a Deus, boas oportunidades surgiram naturalmente.
Isso prova que sou rica de garra, de força de vontade, de bons valores, de caráter – espelho da minha família da qual tenho tanto orgulho. Mais do que tudo, sou cada vez mais rica de sonhos.
De fato, eu me entristeço quando busco voos maiores e ouço pessoas que não compreendem meus anseios, acham que estou querendo coisas demais. Na verdade, eu me entristeço por elas. Geralmente, são aquelas que não conhecem minha história e, por isso, eu as perdoo. Quando olham para mim, simplesmente não conseguem enxergar as vidas que me cercam.
Se feito com cabeça, clamar por melhor remuneração, por exemplo, não significa ambição desenfreada ou falta de coletividade. Tenho bons motivos para querer investir meu dinheiro em sonhos, em uma vida melhor para mim e minha família, em condições mais justas para encarar o mundo sem um peso a mais no coração e nas costas.
Aos que não se preocupam com aluguel ou em ter que viajar sentados no motor do ônibus superlotado porque têm sempre um carro à disposição: quem são vocês para julgar quem passa por isso?
Como eu disse lá no começo, frente a esse cenário, fico triste com pessoas que, de barriga cheia, reclamam de vida (Cadê a sensibilidade de olhar ao redor?). Ou que ainda achem que, por tudo que conquistamos até o momento, estamos de barriga cheia. Que fique bem claro que o objetivo não é pagar de coitada – sai pra lá! – estou longe disso e tenho muita força para seguir construindo minha história com minhas próprias mãos e pegadas, encarando o que for preciso encarar.
O ponto chave é que não me conformo quando julgam sem pensar. Muito menos quando têm tudo para ser feliz e perdem tempo se metendo na felicidade dos outros.
Espero que esse texto sirva de reflexão para aqueles que não tem nada e sonham com tudo. E para os que têm tudo e ficam importunando os que relativamente não têm nada, mas que têm um grande sonho e um grande coração aberto ao mundo.
Peço desculpas pelo tom rude de certos trechos, definitivamente não combina comigo. Às vezes, no entanto, é preciso estabelecer o caos para encontrar alguma calmaria no caminho. No meu caso, gosto de fazer isso com palavras. Elas fazem bem para a alma angustiada e para a garganta entalada.