É PRECISO LER O MUNDO

Fico lisonjeado pelos comentários elogiosos, estimulantes a continuar. Verdadeiramente, venho me dedicando muito à escritura artística, nos últimos vinte e cinco anos. Percebo que em mais oportunidades tenho acertado – creio – quanto ao gosto estético dos leitores. Às vezes, até me sinto um reconhecido escritor, por vir ao encontro do que eles pensam ou elaboram esteticamente... Tenho até assíduos interlocutores. Aprecio muito dialogar sobre a verve poética e prosaica: a minha, a tua e a de outros colegas. Vivos e mortos. Estou grato ao Onipotente por ele estar me concedendo esse tempo para o amadurecimento da escrita e a descoberta de quanto havia deixado de ler quando era mais moço. Percebo que o estar no mundo me tem feito bem... Reconstruo-me a cada novo dia pela observação; a cada novo livro pela palavra em seu vestido de festa e seus humores... Divirto-me em silêncio. Também renovo as esperanças de que o mundo não esteja tão doente de humanidades quanto propalam. Enquanto, pela TV vejo a guerra em tantos cantos do mundo, ainda ontem observei, com alegria, uma criança de cerca de cinco anos brincando com os girinos das rãs, nas mesmas poças d’água de minha distante infância. Antes, o mesmo menino, com alguma dificuldade, apaziguara os cães que brigavam, fazendo uma pregação à concórdia entre os irracionais. Domou até os latidos da cadela prenha e acariciou-lhe a fome, ainda que sofrido do mesmo mal. Tem cerca de quinze quilos e seus braços são tão magrinhos... Sombras vieram à memória: as crianças de Biafra, durante a guerra civil...

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2010/11.

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