A VELHA SURDA

Se não fosse divertido seria trágico. No tempo da TV em preto e branco, eu e minha família ríamos muito com a Velha Surda do programa Praça da Alegria. Ela chegava cantando "ó querido, ó querido, ó queriiiiido Clementino", e sentava no banco da praça, entre o Manoel da Nóbrega e seu Apolônio. Por causa da surdez, trocava o sentido de toda conversa, que sempre acabava com o Apolônio comendo o jornal, de tão nervoso que ficava.

A falha na comunicação é uma questão que tira o humor de muita gente há muito tempo. Desde a época da Torre de Babel, geralmente a quebra da comunicação é o mesmo ingrediente que azeda a vida de casais que se separam, ou deixam edifícios tipo arranha-céu sem terminar. Todos envolvidos, tanto na família como no trabalho, acabam amargando na boca, por bons tempos, o gosto de jornal que o seu Apolônio toda semana provava.

Parece exagero a narração bíblica da Torre de Babel. Toda humanidade uniu-se em torno da idéia de construir uma torre que chegasse ao céu, tornando-se notáveis. O edifício subia a toque de caixa. O motivo do aparente sucesso, diz o livro sagrado, é que todos falavam uma só língua. Aborrecido com o sentimento de arrogância no coração humano, Deus fez a comunicação deles ficar bem parecida com a do seu Apolônio com a Velha Surda. Com isso, a torre fracassou, o povo espalhou-se, e surgiram as nações e línguas da Terra.

Repito, parece exagero. Entretanto, não é só o Criador que conhece o valor que tem a boa comunicação para o sucesso dos projetos, quer eles sejam bem intencionados ou não. Escrevo esta crônica ao lado da última edição da revista Seleções, de março de 2011. Na página 138, está o resultado de uma pesquisa sobre a opinião das pessoas, quanto ao que une as nações. 53% dos brasileiros entrevistados responderam: A mesma língua. Pelo menos nisso, a voz do povo, é a voz de Deus.