AUTOBIOGRAFIA

Por mim, acho que pouco vale um poeta na “coluna social”. Tem tanta gente mais importante pra figurar na folia midiática... E não que eu tenha alguma restrição. É que poeta não nasceu pra criar fama enquanto vivo. Poeta vale mais morto do que vivo. Nele, a bolsa vale nada, a vida menos ainda. Eu tento chegar à Poesia: falar pouco e dizer muito em vários sentidos. Nasci Joaquim Luiz dos Santos Moncks e muito cedo me tornei abreviado: Joaquim Moncks. Homenageava o meu pai, que fora poeta clássico, bissexto. Escrevera um belo soneto: “Ode a João Affonso”. Irremediavelmente a sina dos anos... Não mais recordo os versos do soneto. Perdeu-se. O pai vive em mim todos os dias, na memória e ao espelho, quando me vejo nele. Sou um homem condenado ao pensar. A vida me olha ‘de relancina’ e eu aceito o desafio de ser dois: o homem e o poeta. Vivo os dois num repente. É nos amigos que me realizo. Contam-se nos dedos da mão os personagens que guardo no coração e permanecem arquivados na cuca. Mas tenho milhares de pessoas com quem prazerosamente convivo: são os meus talismãs. Traduzem a ótica histórica com que registram minhas pegadas. Sempre me fazem encabular quando ficam ‘rasgando seda’ em torno de minha vida e obra. São os ‘amigos’, o que fazer? Meu lazer é a natureza humana e a topografia que a cerca. É este o barro com que me construo após nascido em Pelotas/RS, na primavera de 1946. Amo os animais domésticos. Vários deles são personagens com alma em minha obra. Alegra-me os olhos a rica fauna brasileira e deploro os espíritos impuros que matam desbragadamente a natureza silvestre. Quem resiste à dança e ao olhar dos felídeos silvestres em seu habitat? Mas tenho medo do ambiente da floresta: “ovelha não é pra mato!” Minha posição frente à vida é a de aceitar o Homem como espécie inacabada. Nascemos para a experimentação. Erramos e acertamos. Mas a vida atual me parece melhor no seu cadinho de fermentação. Por vezes, alguns exemplares de nossa espécie retornam à Idade da Pedra. Detesto os ditadores de plantão. A Poesia desbasta a pedra bruta – que sou – enquanto espécime condenado à vida neste plano terreno. Precisamos de ícones benfazejos para afogar o ditado latino de que “o homem é o lobo do homem”. Tenho um vício deplorável: a leitura. No momento estou lendo Charles Baudelaire e o seu “Meu coração desnudado”. Todo e qualquer livro é uma viagem ao insondável. A Literatura continua sendo o pincel com que recrio a vida, polindo o brilho dos dias e dando safanões no que é hostil.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

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