Com uma ajuda manuelina
Fui buscar em Manuel Bandeira a inspiração para rabiscar esta pequena crônica. Uma crônica insignificante; iguais às que venho escrevendo, desde que acordei pensando ser um bom cronista; o que, como vêem os que me lêem, não é verdade.
Poderia tê-la escrito em cima destes admiráveis versinhos do poeta de A Cinza das Horas:
"O teu seio que em minha mão
Tive uma vez, que vez aquela!"
"Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!"
"Seios, duros, em pé, lácteos e pequeninos."
Não o fiz, para não ser chamado de um cronista libidinoso, pelos fuxiqueiros de plantão. Libidinoso, por quê?
Dia desses, quase fui linchado, só porque me atrevi a comentar alguns versos do Drummond, tirados, com muita cautela, de O Amor Natural.
E olhem que me limitei a tecer tímidas e arejadas apreciações em derredor do poema do Carlos, intitulado O que se passa na cama.
Extrapolara no comentário que fizera em torno desses lindos versos do Drummond? Creio que não. Melhor, talvez, se os tivesse lido, e guardado só para mim o que eles me disseram... Pois, segundo o próprio Drummond, o que ocorre na cama, "é segredo de quem ama".
Cansado do meu rotineiro cotidiano - é, os aposentados também cansam -, poderia ter escrito alguma coisa declarando-me decidido a abandonar tudo, e ir "embora pra Pasárgada", onde, como Manu, talvez fosse amigo do Rei.
Em outros tempos, até me arriscaria a afirmar, que, em Pasárgada, também teria a mulher que desejasse, e na cama que escolhesse, como destaca o poema manuelino.
Não foi nos versos, mas na prosa de Bandeira que encontrei a ajuda que necessitava para escrevinhar esta insossa crônica.
Escreveu Bandeira: "Foi precisamente para me dar a ilusão de não existir em vão, que comecei a publicar os meus versos" . - Bastou-me esta frase do autor de Andorinhas, para que esta página brotasse, com a ternura que lhe desejava dar.
Como Manuel Bandeira - guardando, claro, o respeito devido ao vate pernambucano, e a distância imensa que nos separa -, também escrevo frágeis crônicas, e quando me deixam, as publico, para alimentar a ilusão de que não existo inutilmente.