O Velho Pneu
O Velho Pneu
Joanilson M. Silva
Foram mais de dois anos de estrada, de ruas esburacadas, de lama e de sujeira;
Mais vinte mil quilômetros percorridos, rodados;
Nenhum furo, nenhuma baixa, nada de aborrecimento;
Hoje, após trocá-lo por outro novinho, quase cometo uma indelicadeza;
Indelicadeza, não, uma heresia!
Ia deixá-lo na borracharia, abandonado, longe dos amigos e companheiros de viagem e de labuta diária durante esse longo período.
Mas, quando o vi jogado, liso, desprezado por não servir mais, senti um remorso danado, desse que faz correr um frio pelo ventre, que arrepia, que faz pensar...
E lá estava ele no chão, me “olhando”, chamando-me de ingrato e dizendo para que somente eu ouvisse: - Já esqueceste quantas vezes eu te levei à praia nesses dois anos? – Não lembras das inúmeras vezes que eu conduzi teu pai para o hospital? – Esqueceste das pesadas cargas que a tua mulher jogava no meu lombo quando íamos para o litoral? – Esqueceste das estradas cheias de pedregulhos do cariri?
E, assim, me fez lembrar de várias outras viagens que fizemos juntos, sem quaisquer problemas. E lembrou-me, também, das oportunidades em que foi bem tratado, quando eu o limpava, e quando o embelezava com o verniz que o deixava reluzente, brilhante, limpo. Ele não foi ingrato, lembrou-se do bom tratamento recebido.
Após o sermão, e já refeito do remorso, resolvi colocá-lo na mala do carro e o trouxe pra casa.
Vou deixá-lo descansando por bom tempo em local de destaque, para que eu me lembre sempre da ingratidão de ia cometendo, ao quase abandonar aquele que envelhecera e que não mais me iria servir.
Campina Grande, PB, 06 Jul 2006.