39. Que é que o ‘Le Canard Enchaîné’ tem a ver com uma T-Shirt azul e a T- Shirt azul tem a ver com a ribeira Lèvriere e a ribeira Lèvriere com o ‘Le Canard Enchaîné’?
Que é que o ‘Le Canard Enchaîné’ tem a ver com uma T-Shirt azul e a T- Shirt azul tem a ver com a ribeira Lèvriere e a ribeira Lèvriere com o ‘Le Canard Enchaîné’?
Se não souberem a resposta, não quebrem as vossas cabeças nem se apoquentem muito à procura da resposta, fique-vos a consolação de que eu próprio, só a conheci depois de me sentar junto à ribeira de Neaufles St. Martin. Ribeira que se chama Lèvriere.
Então, há ainda alguém que queira arriscar a resposta? Há. Não, não é essa. Também não. Podia ser, mas não é bem essa.
Não era sequer tanto para me dizerem da relação entre um jornal francês, uma camisa e uma ribeira, mas a relação do meu jornal, da minha camisa e do meu passeio à ribeira. Dito isto assim, nunca o poderiam ter adivinhado.
Existe ou não relação entre os três? Existe.
Mal acordei, antes de adormecer adormecera com a ideia fixa de ir comprar um jornal mal acordasse, acordei com uma vontade louca de ir comprar o tal jornal. Fui à ‘boulangerie’ (padaria) comprar o ‘Le Canard Enchaîné.’ Porquê este jornal e não outro, por exemplo o ‘Le Monde’ ou o ‘Libération?’ Porque tinha saudades deste jornal e não de outro. Jornal dos meus tempos de Paris.
Explicada a razão, talvez devesse melhor dizer capricho e não razão, segue-se que, cheguei a casa, sentei-me à mesa da cozinha e tomei o pequeno-almoço: repeti duas vezes o café de chicória, saboroso, mas só usando duas colheres de café bem cheias, pão (baguette) com manteiga a sério e doce de laranja.
Desdobrei o jornal; primeiro só para ter uma ideia do seu tamanho, continua enorme, sem ainda ver os títulos, quase para sentir apenas o cheiro da tinta e do papel do jornal, gosto do cheiro, depois, dobrei-o em dois. Passei da primeira à última página, antes de ler mesmo a sério, vi a última, e, então, uma a uma todas as restantes seis páginas interiores. Como sempre, excepto uma única fotografia, as ilustrações, nesta edição de 14 de Julho segue a regra, são caricaturas.
Depois, sem pressa, ao sabor sei lá de quê, sei lá por que razão a gente lê uma coisa e não lê outra, ou vê uma imagem e não vê outra, os títulos, os textos, o estilo dos textos, as caricaturas. Era assim que fazia e é ainda assim que faço. E fazia-o e faço muitas vezes ao pequeno-almoço.
E a t-shirt azul? Onde encaixará nesta crónica? Simples. A meio da manhã, o pequeno-almoço já avistava o almoço, para preparar o almoço, fui com a Olga ao LIDL fazer as últimas compras. Quis um caderno para substituir o primeiro, não encontrei nada de jeito, mas ao lado, a jeito, como se estivesse ali à minha espera, vi a t-shirt azul. Gostei dela e comprei-a. Vou precisar dela em Londres e vou precisar dela para fazer par com um par de calções que uso no meu jogging.
Preciso de manter a forma, não quero recuperar os quinze quilos que perdi nos quinze dias seguintes ao soco, podem ficar com eles todos bem pesados, nem estou, caso isso venha a suceder, Deus e toda a corte celestial sabe que não, na disposição de recorrer ao mesmo método pela terceira vez nesta encarnação.
E a ribeira? Como encaixará a ribeira de Lèvriere nisto? Igualmente simples. A ribeira que sulca Neaufles St. Martin? Depois do almoço foi e vim a pé a Gisor, no regresso parei na ribeira. Levava vestida a t-shirt azul e no bolso das calças o jornal.
E foi, com os pés metidos na água da ribeira, que ao escrever esta crónica descobri que o ‘Canard Enchainé,’ a t-shirt e a ribeira haviam tido não só uma relação entre si mas também comigo das sete da manhã até às cinco da tarde.
Mário Moura
Neaufles St. Martin, 16 de Julho de 2010
(escrito na margem da ribeira Lèvriere)