DIÁRIO DE UM LOUCO
DIÁRIO DE UM LOUCO
Crônica de Carlos Freitas
Um dia noite qualquer. - Alto e cambaleante, descambava madrugada afora, enquanto não raiava a aurora de uma nova noite. Certamente, seria maravilhosa e tétrica, pois, não faltaria o indesejável, desesperador, ansiado e sonoro canto da maldita cotovia e suas parceiras, igualmente irritantes, sórdidas, mas, por mim amadas.
Num longínquo, todavia, próximo lugarejo, em forma de barraco, um imponente castelo com vigorosas tábuas podres, tapumes encardidos e sapé. Por entre suas frestas, a claridade daquela noite nebulosa penetrava funda e esfuziante, enquanto transcorria o amanhecer daquele dia maravilhosamente negro e chuvoso. O sono tranqüilo e reconfortante dos seus habitantes era embalado por levíssimos pesadelos de mortes trágicas, e, pela leveza dos terríveis supetões, provocados pelas descontinuadas e torturantes batidas da porta de saída, que ressonava com tranqüilas convulsões, naquele firme batente prestes a desabar.
O mar tudo azul, que se descortinava sobre minha cabeça, era como se fosse negra gota carmesim. As estrelas, pálidas e opacas, brilhavam excessivamente fortes, tal que se podiam ver seus desconexos reflexos no verde do céu, ora submisso a meus pés, e, regurgitante de peixes voadores, os quais saltitavam sôfregos em busca de navios errantes, abarrotados de prisioneiros felizes e deslumbrados, que, dançavam sorridentes ao som de cândidas chibatadas e chicotadas, ambos, impregnados de eficazes e pontiagudos pregos. Era ainda dia, mas, já ia alta à noite, afundada na sordidez imberbe daquela manhã cinzenta, efeito dos negros raios solares, inquietantemente brilhantes.
As horas perdidas no tempo, preguiçosas e vadias, voltavam para casa. Não haviam encontrado os ponteiros procurados. Por isso, estavam atrasadas. Giravam num funesto e contínuo vaivém marcadas pelo firme descompasso da forte luz, quase extinta, luz essa, caída das agora despidas estrelas, que buscavam prazer erótico naquelas horas de folga do brilho intenso, e, aquecidas por uma singular brisa, estupidamente gélida, à qual, soprava morbidamente, da boca de um miserável e inoperante vulcão! Numa fúria apaziguadora ele vomitou suas neuroses com pacífica e lancinante euforia. Caminhavam sobre sua atraente e lasciva boca desdentada, larvas incandescentes e geladas, literalmente apagadas, em forma de singelas flores silvestres, sacudindo todo o vale com seu tremor, cujo estrondo comparei ao batalhão de formigas que passava à minha frente. Rumavam para uma declarada guerra, contra um bando de atrevidos leões marinho que ousara invadir suas plagas.
Num tropel inaudível, e na luta que aconteceu, ouviu-se o retinir de espadas esculpidas em folhas secas de Vitória Régia. Os leões, encurralados, bateram em retirada. As formigas, inconformadas, choravam a derrota do inimigo, enquanto eu, do alto de um pé de morango, aplaudia chorando, a insana cavalgada que acabara de fazer... Nas asas de um coelho!