Ninguém nasce homem

Ser homem é uma construção social, concorda? Não? Sim? Sim ou não, não ou sim? Que bom... é a certeza da razão que nos permite pensar e a partir deste ato ter mais de uma possibilidade...

Ninguém nasce homem, é construído pelas convenções. Pense nisso. Quando você nasce, já nasce com um nome e por ele deve ser identificado. Ensinam-te a andar, falar e repetir certos hábitos, mas não se engane nada disso acontece por acaso.

Você nasce e logo tem de conviver num espaço azul. Disseram que é esta a cor que te identifica. Azul nas paredes do seu quarto, no mosquiteiro, na mamadeira e na chupeta. A bola que você ganha é azul e te proíbem desde já ao contato com outras cores porque isso não é de homem, veja, sinta, não é de homem, logo já é internalizado que cor de homem é azul.

Nos atos de fala, o primeiro nome é papai, porque homem para ser homem de verdade tem de reconhecer outro de imediato, no ato, no talo, e na marra. E desde já as previsões que será um cabra reprodutor. Tem de “pegar” todas as mulheres que atravessarem na frente e casar com uma e ter muitos filhos, seguir a história do genitor.

Desde cedo não tem escolha para escolher as brincadeiras ou os brinquedos do seu agrado. Brinquedos de homem é carro, bola, cavalinho, armas de fogo. Seu caráter desde então deve ser pautado nestes costumes. Vai ser pai, mas não pode brincar de boneca porque o papel do pai é só de ferrar a mãe como o vaqueiro ferra as vacas. Acalentar, ninar, cuidar, afagar não são tarefas do homem.

Quando te ensinaram a andar é porque seus passos já estavam traçados, a direção que deveria seguir já fora antes tracejada. No embalo dos passos dados, já te ensinam o modo de comer, de vestir, de sentar, de ser e de tratar o outro, os semelhantes e os diferentes.

O social é determinante. Seu nome não é seu à-toa. Seu nome é a imposição de uma identidade, é o primeiro passo para sua prisão. É preciso honrar o nome que te deram, o ventre que te gerou e o varão que te deu vida. Sua vida não te pertence, você não é você na verdade, você é a verdade inventada por outros, pelos outros de sua convivência. A invenção de si mesmo ainda não existe porque você ainda não tomou consciência de si, você passa a ser o reflexo dos outros.

Pronto, dentro do grupo de sua convivência é pela repetição que as verdades são transmitidas, são construídas e injetadas dentro de ti. Você é a soma do resultado do produto dos outros e a partir deste vai passar a existir. E tudo aquilo que existe, fruto de uma construção sociocultural e histórica serão suas verdades e daí dizer que você passa a ser o resultado das suas experiências, vivências, convivências e sentimentos.

Parece ser fácil, mas não é. O que te define como homem não é o seu sexo masculino, másculo, viril, biológico, não confunda. Uma coisa é o sexo animal, outra coisa é a construção do gênero, do racional, do afetivo.

Ser homem é perceber o papel social protagonizado pelo corpo socialmente construído. Corpo este dotado de razão, sensibilidade, prazer, desejos, libido, descobertas e vivências. É livra-se das amarras e couraças construídas pelo social.

Ser homem é projetar no corpo que é seu a invenção de si. Perceber-se afetivamente e viver plenamente o Eros pela afetação da plenitude da aceitação subjetiva e intersubjetiva. É olhar-se no espelho da vida e saber pelo reflexo latente que o entendimento de si se completa no inventário diário que fazemos na possibilidade se ser e não-ser.