FAZENDO RAPADURA

FAZENDO RAPADURA

As canas do canavial próximo à fazenda Baía já estavam maduras. Na semana seguinte iria começar a “fazer rapadura”, o que era motivo de alegria para a meninada.

Fazer rapadura requer um ritual especial. Todo o “engenho” deve estar limpo: as moendas, as bicas por onde escoa a garapa, o cocho que recebe a mesma, o piso onde fica a cana para a moagem, a tacha de cobre onde se faz a rapadura, a canoa de resfriamento do melado, a banca que irá recebê-lo e onde será resfriado, as tabuletas, varões, reminhol, espumadeira e outros apetrechos.

A cana cortada de véspera (à tarde) era levada por carro de boi e empilhada no engenho, próxima às moendas, após serem lavadas. De manhã, tão logo o dia amanhecia, o Antoninho Bananal já “pegava” a junta de bois, o Amorim e o Palácio, que seriam atrelados na manjarra do engenho, circulando em volta do mesmo e fazendo com que as moendas fossem movimentadas. O Antoninho ia colocando a cana nas moendas e o bagaço saía do outro lado das mesmas. A garapa já escorria pelas bicas de madeira indo para o cocho, onde ficava depositada. Depois do cocho cheio, a garapa era levada, também, por bicas para a tacha, onde o Zé Pinheiro, o tacheiro, já estava acendendo o fogo na fornalha, usando como combustível o bagaço seco de moagens anteriores. Tão logo o cocho ficava vazio, começava a moagem da cana para enchê-lo. Geralmente os filhos do Zé Carneiro e da Dona Cici iam até o engenho para tomarem da gostosa garapa. Eles levavam uma cuia para pegar a garapa debaixo das moendas.

Após uma hora, mais ou menos, a tacha começava a ferver. Era a hora do Pinheiro usar a espumadeira para retirar a espuma que se formava sobre a garapa. Para facilitar o ajuntamento da espuma, usava-se um pouco de bicarbonato de sódio. A espuma era colocada em tambores para, mais tarde, ser dada aos porcos.

Nunca descuidando do fogo, o tacheiro sempre colocava na fornalha um pouco mais de lenha, para manter o fogo bem distribuído. Depois de um certo tempo, a garapa ia se transformando em melado, momento em que colocava-se um pouco de gordura de porco para a taxa “parar”. Essa operação servia para o melado engrossar e diminuir de volume. Daí em diante, esperava-se o melado chegar ao ponto para ser retirado da taxa e ir para a canoa de resfriamento. Sabia-se que estava no ” ponto” quando era retirado da tacha um pouco do melado e colocado em uma vasilha com água fria, formando uma bolinha que, arremessada em uma superfície dura, partia em vários pedaços. Era hora do melado ser retirado da tacha usando-se o reminhol, que era uma concha grande, de cobre, e colocado na canoa. Nessa canoa o melado era batido com uma pá ou com um rodo de madeira até esfriar um pouco, para ser colocado na banca.

Quando da retirada do melado da tacha, o resto que sobrava na mesma, com a colocação de mais garapa, formava-se a “puxa” ou “puxa-puxa” que era disputada pela garotada, pois era muito gostosa. Um pouco do melado bem batido formava o “Chico branco ou João branco” que também era muito apreciado por todos.

A banca onde seria colocado o melado para o completo resfriamento, era coberta por um pano úmido. Esse pano não deixava o melado agarrar à mesa. Sobre o pano, ainda, eram colocados os varões, que eram peças de madeira divididas em espaços do tamanho da rapadura. Colocado na banca, o melado ia logo esfriando e endurecendo. Era chegada a hora de colocar as tabuletas (pequenas tabuinhas) que iriam encaixar-se nos varões, dando a dimensão da rapadura. Cerca de duas horas depois, era o momento de levantar as rapaduras da banca, isto é, retirar as tabuletas, os varões e as rapaduras já prontas. Na canoa e na banca de resfriamento, o resto do melado já seco formava a “rapa” que todos aguardavam para comerem.

As rapaduras eram, então, transportadas para caixões (caixotes grandes, de madeira) onde ficavam armazenadas. Eram vendidas em carga (sessenta e quatro unidades), quarteirão (dezesseis unidades, ou seja, a quarta parte da carga) e a unidade. Usava -se o termo carga, pois era a carga que um burro da tropa transportava em caixotes: trinta e duas rapaduras de cada lado da cangalha, perfazendo o total de sessenta e quatro. Em algumas regiões, a carga era de cem rapaduras.

Depois dessa trabalheira toda, estava feita a rapadura que já adoçou o nosso café e muitos outros doces em nossa vida...

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 26/03/2011
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