À Cor e ao Gosto de Pêssego
      
      
Étienne Gilson escreve, na Introdução às Artes do Belo, que “não se pode ler uma história das filosofias da arte sem se sentir um desejo irresistível de ir fazer outra coisa”. Desde que conheci Fernando Cunha Lima, entrega-se aos braços desse “desejo irresistível” e compulsivo de fazer poesia. Elas são tantas que o poeta já está lançando seu sexto livro. Tomou este gosto ainda adolescente, admirando seu pai a recitar no terraço de casa, e desta escola saíram dois poetas: ele e seu irmão João, o que me confirma seu primo, o poeta Odir. Fernando aprendeu com as crianças, de quem é pediatra, a beleza das coisas, dos fatos e das pessoas e traz esta simplicidade, para seus versos, com peculiar facilidade. Inúmeras vezes, eu o vi rabiscando guardanapos ou contas de bar para não deixar fugir da memória a última inspiração, a mais recente imagem poética. E, daquela circunstância, por telefone, ele lê a poesia, especialmente aos amigos que apreciamos a sua verve. Ao oferecer-nos poesias em livro, ele não se priva do que nos dá, porque para o poeta dar e receber se confundem em felizes consequências. 
       Fernando é poeta da solidão, quando poetisa ser esse o caminho no “Destino do Poeta”;  da paixão, ao extenuar este sentimento em “Dissídio”;  erótico, como bom leitor de Konstantinos Kavafis, ao ver a miragem de “seios da terra dourados”, nas estrofes de “Dunas”; telúrico, no poema “Enlace das Pedras”, ao metaforizar  pedras preciosas com “sortilégios de mulher” e com a própria beleza fêmica, fêmea e sensual. Enfim, romântico, ao dissecar os sabores do amor e os dissabores dos amantes. Poesias ricas de imagens da vida, do humano e da natureza. Daí, não se contarem quantas manhãs e quantos sóis; quantos mares e quantas luas; quantas flores e quantos jardins; quantas amadas e quantas amando; quanta “poésis” e quanto “fernando”. 
       Substituo escritores por poetas, nas palavras de Gabriel García Márquez, encontradas na sua última obra “Yo no vengo a decir un discurso” e as traduzo: “Sempre acreditei, mesmo contra outros critérios muito respeitáveis, que os escritores não estamos, no mundo, para ser coroados, e muitos sabem que toda homenagem pública é um princípio de embalsamamento. Sempre cri, enfim, que os escritores não o somos por nossos próprios méritos (...) e que nosso trabalho solitário não deve merecer mais recompensas, nem mais privilégios do que os que merece o sapateiro por fazer sapatos”.  O autor do “Sol de Pêssego” pergunta a si próprio, no poema, “O que será o poeta?”  Ele mesmo justifica, em versos, merecer muito mais do que o sapateiro, que apenas imagina, desenha, corta, cola e costura o sapato. Enveredo, também, pelo mesmo raciocínio, na certeza de que o poeta também se recompensa por misteriosas palavras, pelas intimidades e segredos entre ele e a Musa. Por isto, dedicar-se, de modo “irresistível”, à poesia. Também, por isto, encontrarmos, no Sol de Pêssego, tantas manhãs e tantos sóis; tantos mares e tantas luas; tantas flores e tantos jardins; tantos “fernandos” e tantas poesias.