Sobre os relacionamentos pragmáticos

Antes de iniciar devo dizer algumas palavras: nada mais instigante para se iniciar um texto ou uma exposição de idéias, como esta que se seguirá, do que quando uma pessoa lhe faz tal pedido. No meu caso, o pedido foi-me feito por uma pessoa muito cara, minha amiga May. Mas pra não ser injusto ou leviano devo dizer que ela não me pediu explicitamente uma resposta ou argumentação e sim eu que sugeri que a responderia desta maneira, e ela – grande incentivadora que é de meus artigos – prontamente acatou a idéia.

Mas, se estas são argumentações como resposta, qual a pergunta? Ei-la: “Luiz, ultimamente ando sentindo-me muito indiferente aos sentimentos dos outros por mim. Uma pessoa que gosto muito não me mandou ‘sinal-de-vida’ e não me importei... Antes ficaria extremamente chateada, mas não, fui apenas – como disse a pouco – indiferente. Gostaria demais de voltar a sentir aquele aperto no peito, aquela falta de sentir desejo que a pessoa me dê atenção, porque será que não consigo?”

Ora minha cara amiga, pessoa da qual adoro infinitamente me aproveitar (a aparente grosseria terá uma explicação que lhe retirará este estigma durante todo este texto), sua resposta envolverá alguns conceitos que surgiram na minha cabeça há alguns anos e estão amadurecendo, como frutos, e que com certeza hoje já me deleita com certo sabor e visão. No entanto devo dizer que estes frutos nunca serão maduros... Por vezes posso até pensar que eles estão deleitosos aos olhos e o seu gosto sempre me trará de volta à realidade. Seu gosto? Adstringente, como uvas que ainda estão verdes e novinhas.

Passemos às idéias.

A primeira idéia é a que o ser humano é só e egoísta. Mas longe deste egoísmo, enquanto idéia, ser um clichê é antes um método de sobrevivência. Sem certo egoísmo não sobreviveríamos aos ataques dos egoísmos alheios. Este egoísmo nos forma uma bolha fina como sabão e dura como aço inoxidável. Esta talvez seja a parte ruim deste egoísmo. Esta bolha nos impede dos ataques dos egoísmos alheios, mas também nos impede de perceber a minha segunda idéia.

A segunda idéia: por causa da bolha que formamos devido ao egoísmo inicial, nos escondemos dentro da bolha, nos tornamos sós e eternamente sós.

Mesmo que tenhamos a convivência com outras pessoas isso é o que posso chamar, paradoxalmente, da eterna solidão acompanhada. Ou a solidão que depende da solidão do outro. Talvez através dos tempos algumas situações e/ou a eterna adaptação dos seres vivos mostrou-nos certas benesses de convivermos em sociedade.

No entanto essa eterna convivência com os outros, com a solidão alheia, nos deu como efeito colateral a falsa sensação de dependermos, mais do que dependemos, de outrem. E esta sensação está fortemente arraigada dentro dos contextos de convivência. Todos, sem exceção, sentimos forte vontade de dependermos e de repousarmos no outro. No entanto, em algum momento da vida, seja por um trauma, seja por alguma situação de grande apelo emocional, vislumbramos a solidão em que estávamos em que estamos e que nos acompanhará ao túmulo. E a partir daí entendemos que a dependência se dá ou que este sentimento de querermos outra pessoa é tão somente mais uma manifestação, uma fina ironia, do nosso egoísmo primordial. Ou seja, este anseio é a vontade de nos aproveitarmos dos carinhos, do sexo, do bem-estar proporcionado. E isto é bom! E quem diria que o torpor de uma droga é ruim? Talvez só quem nunca utilizou-se de uma, seja ela qual for. Afinal de contas, vemos que todas as teorias religiosas tendem a querer que o homem transcenda, ou seja, perca a sua condição humana. Por muitas vezes isto se dá pelo ascetismo -- negando a convivências e os prazeres.

Mas, retomando o fio condutor de nosso pensamento, quando tomamos consciência da nossa solidão e vemos o nosso egoísmo passamos a nos relacionar com os outros no que eu chamo de relacionamento pragmático. O relacionamento pragmático é aquele em que não são necessários mais arroubos de paixão e demonstrações infindas da necessidade de estar próximo. Para me fazer entender melhor, utilizarei um exemplo: uma pessoa tem um relacionamento pragmático com outra no sentido amoroso quando ela sabe que quer algumas coisas da outra sem esperar ser tocado pelo amor ou flechado pelo cupido, ou nas palavras atuais “sentir uma química”. O apelo, o efeito colateral que mencionei linhas acima, de não sentirmo-nos sozinhos, cria subterfúgios para que pareçamos sempre possuidores de um “bem-a-ser-dado” e dependentes de sentirmos algo “além-do-natural” ou que esconda o nosso egoísmo, pois isto também é uma forma de defesa contra o egoísmo alheio.

Mas aqui cabe uma ressalva: ser pragmático não é ser insensível ou indiferente, e aí chego ao cerne do que queria dizer à minha amiga, que como já devem ter percebido, considero pragmática. No meu entender – e esta é uma opinião pessoal, assim como todo este texto – o relacionamento pragmático é o mais maduro porque entende a necessidade que temos de usufruir do outro e sabe, sem remorsos, que nós estamos também sendo usados. Daí segue a aparente indiferença das pessoas que considero pragmáticas nos relacionamentos.

Laanardi
Enviado por Laanardi em 24/03/2011
Reeditado em 06/04/2011
Código do texto: T2868503
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