"Quando havia galos, noites e quintais"

Há dias a frase acima, que dá título a esse texto, faz visitas insistentes à sala de estar que é a minha memória. É de uma belíssima música do Belchior.

Lendo “O exercício da crônica”, de Vinicius de Moraes, pude perceber como é difícil a arte da escrita. No referido texto, Vinicius aborda esse tema e descreve como o cronista busca, no ato da escrita, seu assunto do momento, o que vai repousar na tinta que descansará no papel, ou no computador.

Uma música de Belchior...

Uma crônica de Vinicius...

A menção a ambos os textos mostra que as narrativas são, muitas vezes, construídas como uma colcha de retalhos. São reminiscências que se juntam e transformam-se em ideias, em outros fatos que serão memórias depois.

Voltando ao título, creio que quero falar sobre outrora. Talvez um tempo antigo, distante, perdido em algum lugar da minha velha sala de estar, ou seja, novamente a memória.

Um tempo em que as coisas aconteciam em ritmo próprio, sem os atropelos da tecnologia e os avanços da pós-modernidade. O que vivemos agora é, ainda, pós-modernidade ou os pensadores já inventaram um novo termo?

Tempo...

É justamente a falta de tempo que colore as nossas vidas e é tão questionada nesses tempos modernos.

E essa modernidade me leva a pensar em uma outra palavra ultimamente em voga: consumismo.

Alguém disse – lamento não recordar o nome – que atualmente há novos templos – os shoppings – e uma nova religião – o consumismo. E ele nada tem a ver com o Cristianismo. Pensemos, por exemplo, no Natal. Nessa época deveria-se festejar o nascimento de Cristo Jesus. E o que se faz? Todos são bombardeados pela mídia e levados ao consumismo exacerbado e cruel. Comprar, comprar e comprar... Eis o mantra que se repete incontáveis vezes.

Há crianças que pensam – e são constantemente levadas a isso – que Papai Noel é a verdadeira razão de ser do Natal. Assim como outras acreditam que o leite vem da caixinha e não de uma vaca.

As grandes metrópoles estão cada vez maiores, inchadas com o crescimento da população, do lixo por ela produzido e escassas de infraestrutura, segurança, saúde e educação. Aliás, esses termos estão presentes nos discursos políticos, mas na prática sabemos como funcionam – ou melhor – como não funcionam.

As cidades crescem, se verticalizam e os espaços ficam cada vez mais compactos.

Onde estão os galos, as noites e os quintais?

Os galos foram substituídos pelos alarmes de celulares.

As noites se tornaram demasiadamente perigosas.

Os quintais foram riscados dos projetos de engenheiros e arquitetos.

Quando havia galos, noites e quintais éramos mais felizes e menos desumanos. A vida era mais poética e menos dolorida.

Rita Venâncio.

Rita Venâncio
Enviado por Rita Venâncio em 24/03/2011
Código do texto: T2867921
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