Acho que esse galo veio de Igarassu
Acho que esse galo veio de Igarassu
Venho de família nordestina, pernambucana de pai e mãe. Nasci no Rio de Janeiro, mas fui criado “à moda” nordestina, já aprendendo os gostos da “terrinha” –uma boa tapioca, bolo de rolo, manguzá, agulha frita. Sempre valorizando a família e os amigos, falando alto e se achando o maior – isso é o óbvio. Desde menino, gostava das histórias fantásticas dos desbravadores daquelas terras, dos ricos senhores de engenho e dos seus filhos bastardos, aventuras que me orgulhava e sempre remetiam à sapiência e esperteza de um povo sofrido. Recife é uma cidade pequena, porém decente! O Beberibe se encontra com o Capibaribe para quê? Pense bem, não é pouca coisa, não... Para formar o oceano Atlântico! E isso é ensinado nas escolas com orgulho de ser nordestino. Uma sobrinha, que foi ao Maracanã, me veio com essa pérola: “Tio, sei não, mas o Arrudão parece ser maior...”. Rapaz, eu é que não vou questionar essas verdades de uma terra que expulsou um grupo de judeus incompetentes para fundarem aquela ilhota ao norte, uma tal de Nova York. Graças a Deus os competentes ficaram “no Recife”!
Igarassu, próxima ao Recife, é cidade muito antiga. Vejam: “O município localiza-se no litoral norte da região metropolitana e possui um dos patrimônios mais invejáveis e expressivos da arquitetura de cunho civil e religioso do Brasil. Lá se encontra a mais antiga igreja em funcionamento do país (1535), de São Cosme e Damião, a quem é atribuído um milagre ocorrido em 1685: quando as cidades de Recife, Olinda, Itamaracá e Goiana foram assoladas pela febre amarela, Igarassu escapou ilesa da praga.”
Nas proximidades dessa cidade, um parente afastado, Coronel Siqueira Brito, tinha terras onde vivia com a mulher, filhos, criados e animais. Homem conhecido pela maldade e objetividade, não se satisfazia com pouco – era um ambicioso e poderoso dono de terras e de gente. Sim, gente! Naquele tempo os criados eram parte da propriedade. Dizem que ele escolhia as meninas (filhas dos serviçais) na época em que os seios da jovem ficavam do tamanho de um limão. Essa era a senha dele: “Está na hora do abate”, e a menina escolhida era usada. A mulher era passiva, não reclamava quando sabia, mas estranhava quando o varão não comparecia com o dever semanal. Dizem que ela, antes de se recolher, consultava seu dono: “Vóismecê vai me ocupar?”. Pergunta direta para que, em caso afirmativo, ela fosse se lavar.
A vida era lenta e os grandes acontecimentos, raros. Certo dia, chegou um primo das bandas do sul, com novidades e boa conversa. Sendo moço da cidade, era letrado. O coronel levou-o até Recife, via Igarassu, se despedindo da esposa Mariazinha com um sonoro “Já volto!”. Foram em bons cavalos até Igarassu e de lá para Recife. Era mês de carnaval e as putas da terra não ofereciam o diferencial de peles brancas e olhos claros das polacas e francesas do Rio de Janeiro. O primo rico lançou o convite: “Vamos, meu primo, para conhecer um carnaval de verdade!”. Lançaram-se num vapor e dias após aportaram na praça Mauá – antro de fêmeas, malandros e bebidas. Foi uma festa! Mulheres brancas como neve, petelhos loiros nunca vistos, perfumes franceses e até champanhe ele tomou. Bebeu bastante. Farreou e voltou com uma maldita blenorragia clássica. Sem antibióticos, fez o tratamento local com permanganato de potássio pingado na uretra, na cabeça inchada e dolorida do tão utilizado instrumento do amor...
Voltou para casa, um mês depois, galopante, feliz, com um vidro no bolso e a séria recomendação médica de se abster de atividade sexual, principalmente com a digníssima esposa, por 3 malditos meses. O que foi seguido à risca! Mariazinha logo desconfiou que havia outra mulher, pois o coronel não estava cumprindo o dever! Sempre que voltava de viagem, ele era mais amoroso com a fêmea oficial, mais por remorso ou um pouco de caridade, bom ter coração, ser um bom homem e pai exemplar.
Num domingo de calor e vento, à tardinha havia refrescado. Deitado na rede, ficou vendo a propriedade do alpendre, com a cachacinha do lado, pensando nas coxas grossas e bem fornidas de Margot – a francesa fogosa que deixara para trás. O pau, respondendo ao pensamento, já endurecia, mas ainda doía... Triste, isso. Mais triste estava a esposa, carente de sexo e com o orgulho ferido. Tomava banho e vestia uma anágua rosa, que tanto alegrava o parceiro na cama. E ele, nada. Chegava a cafungar na nuca dele, e nada. De repente, sentiu uma vontade de falar e pedir explicações ao macho, mas cadê a coragem? Isso é má educação! Mulher não procura homem, aonde já se viu! Cobrar a obrigação matrimonial, nunca! “Como fazer?”, se perguntava a triste Mariazinha, entretida com sua costura, sentada ao lado do seu senhor. Um barulho, uma correria e lá vinha um galo na frente, pulando e se safando das bicadas das enfurecidas galinhas. Mariazinha chamou com voz bem alta o menino negrinho que passava descalço, “Ô, esse menino, vá pegar esse galo prá fazer uma canja prá ceia, pois eu acho que esse danado veio de Igarassu”. O coronel se engasgou com a pinga, tossiu e sentiu que o pau amolecia de vergonha... “Só falta um mês Mariazinha”, pensou ele, ajeitando a meia e dizendo: “Vou à vacaria e não volto prá ceia, não. Estou com um fastio danado, hoje”.
Roberto Solano