Solidão e Sofrimento: resumo e método da vida

Eis um bom resumo da vida humana. Contínua e incessante solidão. Há uma tendência atual em não querermos (como se isso fosse possível) que os outros nos controlem ou como se a vida embora solitária (paradoxalmente!) não dependesse da solidão dos outros. Será que isso nos dá a falsa ilusão de sermos livres? Porque livres não o somos e há boas razões que fundamentam esta minha afirmação. Mas, aparentemente, o ser humano era consciente há algum tempo atrás de sua falsa liberdade e costumava se unir aos outros humanos permitindo ou para usar um termo mais adequado aceitando sua condição de submisso à solidão universal de modo a viver uma solitária coletividade. O que noto é que cada vez mais estamos sós; e sós, sozinhos. A solidão sempre foi o fato fundamental do ser humano. O homem nasce e morre só. Não importa os pais, os amigos. A solidão humana inerente à condição de nascer e morrer é inalienável. Ninguém nasce conosco, ninguém morre conosco. E arrisco a dizer que ninguém vive conosco a não ser os intrometidos que convidamos a dividir nossa solidão e partilhamos, como castigo, de sua intrometida solidão. E vou mais longe: o homem que deseja entender e se emaranhar no conhecimento da vida, tem que, em algum momento, experimentar a dor da solidão e experimentar a dor de se sentir jogado ao mundo, em condições inóspitas, sem saber da onde veio, sem saber por que pensa, sem saber porque come, sem saber porque chora e muito menos para aonde vai! Jesus vai ao deserto para ser tentado pelo demônio. Que bela imagem! E no meio dessas dores que nasce o verdadeiro conhecimento. Para respirar é necessário, ao bebê, o choro. É só assim que um bebê se tornará adulto. Assim o homem só cresce se chora, se sofre ou melhor dizendo, se toma consciência do próprio sofrimento, da própria condição humana de sofredor.

Acho que dois passeios ou duas aulas deveriam ser fundamentais na formação de um jovem. A primeira: assistir a um parto. Parto normal. Ver que nascemos envolto em gosmas e sangue. Que saímos de uma cavidade, tal qual qualquer animal, que choramos, que naquele momento somos tão frágeis como qualquer outro mamífero. Que naquele momento somos tão ignorantes e sofredores quanto seremos em toda nossa vida. Talvez a diferença seja que naquele momento ainda a arrogância não nos tenha picado. A segunda: uma exumação de um cadáver que esteja a pouco tempo, cerca de cinco anos seria ideal, enterrado. Ver que o que nos sobra são as roupas, o que comprova a tese de ser o homem símbolo; não fosse os símbolos o homem não seria humano. O que reveste o cadáver dava a este a sua condição de pertencente à sociedade humana. Mas hoje reveste moléculas de carbono em decomposição. Como dizia a oração latina “memento homo, quia pulvis es et in pulveris reverteris”. O cadáver de hoje, embora não seja animado, no sentido de ter algo a que damos o nome de alma, é tão frágil quanto a criança. Tão destroçável e tão frágil quanto a criança que nasceu. Se os alunos se comoverem, se ficararem com náuseas, dores lancinantes no peito, chorarem: que bom! Este é o objetivo! O começo do sofrimento de um ser que se reconhece ser um nada perdido num universo infinito de possibilidades inacessíveis. O começo do processo de tornar-se ser humano. Homens. Muito mais eficaz que muitas pedagogias.

Um poema do poeta Francisco Otaviano que me chamou muito a atenção quando mais jovem, resume bem estas minhas colocações: “Quem passou pela vida em brancas nuvens e em plácido repouso adormeceu, quem nunca sentiu o frio da desgraça,quem passou pela vida e não sofreu. Foi espectro de homem não foi homem só passou pela vida não viveu.”

Laanardi
Enviado por Laanardi em 23/03/2011
Código do texto: T2865105
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.