O VELHO PADRE

O VELHO PADRE

Chamava-se Celso. Celso Caucig exatamente. Veio da Itália, através do P.I.M.E. – Pontifício Instituto Missionário do Exterior – para a Diocese católica de Assis, na região Oeste do Estado de São Paulo. Serviu por quase vinte anos à população de Echaporã, pequena , bela e aprazível cidade entre Assis e Marília. Eu já o conheci velho, portador de uma bronquite que o levava a passar noites acordado, lendo e estudando aparições de Nossa Senhora, um assunto que o fascinava a ponto de escrever livros sobre essas manifestações religiosas. Seu português trazia ainda depois de tantos anos de Brasil, um forte e característico sotaque do norte da Itália, para onde – dizia-me – não desejava mais voltar, talvez sentindo as dificuldades trazidas pelo tempo e pela falta de dinheiro. Falta absoluta. Morava numa casa velha, cujo assoalho estava ruindo e as janelas nem podiam ser fechadas. Comia o que ganhava e olhem que as esmolas de seu rebanho eram de um ridículo valor. Quando notei isso, passei a convidá-lo a comer, ao menos uma vez ao dia, em minha casa. Viu-se obrigado a retribuir ... levou-me um dia a jantar em sua casa. Fez uma sopa e me fez jantar primeiro... tinha apenas uma colher... Nunca falou disso a ninguém e pediu-me que não comentasse o assunto. Nem mesmo com o Prefeito do Município, que poderia ajudá-lo. Nas suas Missas, aos sábados e domingos, rareavam os presentes. Seus sermões duravam no mínimo quarenta minutos. Sermões de mais de uma hora não eram raros. Neles, tratava do Evangelho e de temas ligados à comunidade e da vida até pessoal de suas ovelhas, velho pastor preocupado com cada uma das famílias do local.

Seus longos sermões no entanto, inda mais tratando às vezes de temas familiares, numa cidade pequena onde tudo e todos se conheciam, levaram a população a desgostar dele até que, um certo dia, um abaixo assinado se fez e foi levado ao Bispo da Diocese de Assis, pedindo sua substituição. Nomes importantes do local estavam entre os signatários.

O pedido foi aceito.

Pe. Celso não comentou nada.

Marcada a data de sua substituição.

O padre – Antonio -que veio para ocupar seu lugar, jovem, italiano também, atlético, vasto topete negro sobre a testa, despertou comentários, principalmente das mulheres, logo que desceu do carro, em frente à casa paroquial. Marcada a Missa de posse da paróquia pelo Pe. Antônio, toda a população católica e até alguns não católicos encheram a nave da igreja como há muito não se via. E – sob um OH!!!! De admiração, o sermão durou exatos quinze minutos...

Ausência nem ao menos notada, Padre Celso passou parte da missa arrumando sua bagagem. Aproveitaria o carro que trouxera seu substituto e o Bispo Diocesano para sair de Echaporã. Seus pertences mal enchiam uma valise de mão. No final da Missa, antes da benção final, chegou à igreja e pediu a palavra. Um gesto de negação balançou as cabeças de boa parte dos presentes. Ã esquerda do altar, aquela figura arcada e franzina, cabelos brancos, cavanhaque branco, mãos trêmulas, tomou a palavra e falou... Falou uma hora e meia, contando, como um pai emocionado, a evolução de cada uma das famílias de sua paróquia durante os seus vinte anos de sacerdócio no local. Lágrimas e aplausos no final. Porém, marcada dentro de mim para sempre, ficou a sua frase inicial: “Meus caros... Os jovens têm o poder da síntese... Nós velhos, temos as condições da análise...”.

Domingos Bellusci
Enviado por Domingos Bellusci em 22/03/2011
Código do texto: T2863606