O que me impele
Hoje me encontro no intuito de confessar-me, fosse algo de que me orgulhasse me vangloriaria, como não é, será confissão. É por medo que escrevo, medo da morte, a razão hão de saber, mas ainda que os frustre, irei discorrer sobre outras coisas antes, para que tudo fique mais claro, e para que o sabor da descoberta torne-se mais doce com a espera.
Pode-se escrever por tantas razões quanto se encontram farpas num corrimão, ainda que não saiba quantos o fazem pelo mesmo motivo que eu. Há aquele que versa buscando alívio, vê nas palavras um refúgio de uma vida que lhe sufoca. Há aquele que persegue a fama, não se vê contente com a visão que têm dele e almeja reconhecimento. Há quem escreva por prazer, a cada linha um gozo, há o indignado, o triste, o palhaço, todos que escrevem, tem um motivo só seu. Claro que comigo não poderia ser diferente, mas quando tentei descobrir o que me impelia a escrever, aparentemente uma tarefa tão simples quanto amarrar os sapatos, me vi incapaz de fazê-lo. Não é de pasmar que tenha ficado um tanto desesperado, como um soldado que não sabe por que luta, me vi tomado por uma angustia que paralisava. A mão que escrevia não mais se movia, a mente que combinava, em belos arranjos as palavras, estagnou-se, até a tinta da caneta que rabiscava pareceu secar. Precisava urgentemente fazer algo quanto a isto, a inanição me corroia, necessitava de uma resposta, e como ela não me vinha de pronto, decidi tentar raciocinar de modo mais elementar. Iniciei um processo eliminatório.
Primeiramente recordei-me daqueles autores que através da escrita transmitem belas e valorosas mensagens, e de imediato coloquei de lado esta idéia. Nada do que escrevo é belo, nada deve servir de exemplo ou ser seguido, deveria quando muito, ser mostra de má conduta. Tendo isto sido esclarecido, passei a considerar outras possibilidades. Alívio, muitos que escrevem, encontram em preencher páginas vazias com garranchos, uma brisa cálida que carrega consigo o sofrer. Eu bebo. Poderia ser também uma busca por redenção, não são poucas as confissões que encontramos no meio literário, póstumas ou não. Outra vez, não é o que busco, quisesse me redimir pelos meus pecados, que poucos não são e muito me atormentam, buscaria um sacerdote, e não a folha alva.
Antes que prossiga, queria que saibam, que jamais pensei em depreciar os motivos, ou aqueles que por eles escrevem, e sim salientar a razão pela qual não me servem os porquês que já foram, e serão citados. Então não deixo nada de belo, que deva ser seguido, traga alívio a mim ou aos outros, poderia ser, quem sabe, pelo reconhecimento. Mas não, por mais que a fama seja atraente, não busco ser reconhecido caminhando pelas ruas, dar autógrafos ou coisa que o valha, na verdade, o anonimato me agrada. Poder sentar num banco duro de praça, enquanto desfruto de um vinho barato e observo a beleza do mundo que se evade de mim, sem que ninguém pense que sou algo mais do que um vagabundo, é inebriante. Neste ponto, percebi que aquilo que impulsiona minha mão a gravar palavras em papel virgem, era o que disse no princípio desta curta narrativa, pavor de morrer.
Para que compreendam isto que lhes digo, antes devo tentar explicar o que entendo por morte. Não vejo o último suspiro, o derradeiro bater de coração, o tornar-se festim para vermezinhos que se esbaldarão com minha carne putrefata, como morte verdadeira. Também não me vejo a tocar harpa, cercado por querubins de cachos dourados, enquanto repouso sobre uma nuvem fofa como algodão. Para mim, a morte é, verdadeiramente, o esquecimento. Angustia-me, apavora, assombra, tornar-me menos que poeira na lembrança dos outros. Óbvio, alguns se lembrarão de quem fui, e derramarão copiosas lágrimas que irão escorrer pela minha pele fria, ou pelo carvalho envernizado que será minha morada eterna. Mas isso não me é suficiente, não quero que daqui uns anos, uma mulher de idade, acabe por encontrar uma foto minha, obsoleta como uma em preto e branco é atualmente, e a mostre para crianças ranhentas que educadamente fingirão interesse para meio segundo depois esquecerem-se dela, e as diga “Este foi seu bisavô”.
Quero mais, quero jamais ser esquecido, não necessariamente por todos, mas se, em anos vindouros, uma única pessoas puder lembrar-se de mim, ter uma idéia de quem fui, lendo o que escrevi, estarei vivo, em paz e seria capaz de dizer que obtive sucesso naquilo que desejava. Pois bem, é esta a razão que me impele, egoísta, mesquinha e tola, mas infelizmente, por mais que tenha tentado, outra falhei em encontrar