Gosto da chuva
Gosto da chuva!
Gosto como cai; gosto como se ausenta; gosto como se lamenta.
Gosto do céu cor de chumbo, das colinas regadas e do vento rugidor.
Gosto de estar sentado, no regaço das escadas avistando os cúmulos-nimbo se aproximarem.
Ora devagar; ora possantes.
Gosto da chuva forte como tambores no soalho batendo, gosto das gotas grossas no rosto tocando, gosto do frio e dos arrepios, dos trovões ribombando.
Gosto de estar sozinho no meio do temporal
Gosto dos teus olhos tristes, de sentir a perda de quem parte. São tristes os sinos que tocam amiúde e me arrepiam o penar da alma, tenho saudades de ti meu pai...
Onde distas, que em falta não te tenho no meu presente e quisera que tudo se tornasse ausente.
Porque é triste o olhar da mulher que chora?!
Gosto da pingas que me lavam a tristeza, mas não gosto dos pingos que te escorrem pela face...
Gosto do barulho do silencio que nos envolve, mas não gosto do ruído do teu choro.
De repente, no repicar frenético do bronze, soa um pensamento fúnebre de tragédia. De repente tenho pena e dó, de quem sofre a perda da perda, da ausência de um ente querido.
Tenho a solicitude dos navegantes que adoram portos abrigados, e tenho vontade de te abrigar entre os meus braços num consolo sem sentido, sem ruídos, sem destino.
As gaivotas já se deram conta que hoje irá ser um velório de temporal, pois que tocam os sinos da capela em nome do que lá vai.
Que dia para se enterrar alguém. Ainda ao menos se houvesse sol. Mas apesar da terra estar mais solta e fofa, também subsiste o perigo do indigente defunto, se sentir a modos que ensopado.
Já nem os finados têm uma casa digna para descansarem. Qualquer (e) mesmo um ossário rústico de uma qualquer escola de medicina, que serve a pretexto de estudo anatómico, tem de certeza ar condicionado e desumidi-fica-dor, para manter as ossadas secas...
O pobre do enterrado, vai mesmo as molhas para o fundo da última morada.
Ao menos que não desabem as terras, já que andam mal os aterros, e com o tempo assim tão bera não se pode fiar.
Como andam os tempos de hoje.
Mas, mesmo assim gosto da chuva que já me escorre pelas canelas.
Gosto tanto que me sinto entorpecido, friorento e bafiento.
Não é como as chuvas tropicais; não; essas eram outras chuvas; chuvas de calor, de brincadeira, chuvas de meninice.
Tenho saudades de Angola; das chuvas com cheiro de terra vermelha... lá os mortos não tinham direito a cova una, era mais do tipo (vala comum), nem sirenes pelo caminho, nem sinos!
Estranho como escrevo coisas tão negrosas, e invento palavras de grosa, mesmo que ninguém me entenda: eu gosto desta chuva!!!
Tocam os sinos da igreja!!!
Paulo Martins