RASG!

RASG!

É tudo o que eu queria fazer da minha vida, mesmo.

RASG!

E pensar que eu poderia estar com o visto pra trip do verão europeu.

RASG!

E pensar que eu poderia estar fazendo algo de útil em algum manicômio judicial.

RASG!

Ou então escrevendo para alguma revista escrachada e conceituada que não existe.

RASG!

Pensar que eu poderia ser o dono da revista, já que ela não existe.

RASG!

Sempre quis isso pra mim, mesmo.

RASG!

Olhar as nuvens cinzentas dessa cidade maldita que só gosto aos finais de semana.

RASG!

Como eu sou um filho da puta que não está satisfeito com nada!

RASG!

A gente tem que entrar em cada situação embaraçosa, desagradável, degradante, irritante, infeliz, ingrata, só pra se manter vivo.

RASG!

Para no fim enfiarem tufinhos de algodão nos buraquinhos do nosso cadáver.

RASG!

Eu andaria vestido de bruxo se fosse um contemporâneo da Inquisição.

RASG!

Até mesmo um filho da trepada entre uma mórmon e um ateu beberrão seria melhor do que tudo isso (Google: Gary Gilmore).

RASG!

RASG!

RASG!

Tanta gente falando que eu sou inteligente e eu aqui, colocando a régua na metade de uma folha de sulfite, fazendo rascunhinhos: RAAAAAAASG!

Minha vista dói de tanta brancura. Minha tendinite começa a latejar, formigar, queimar. Pra quê eu presto, afinal?

RASG!

Fome!

RASG!

Pilhas e mais pilhas de metades de folhas de sulfite grampeadas como blocos de notas.

RASG!

Rasgo as folhas. A mesa de madeira. O lápis de madeira. Cadeira de madeira. Porta de madeira. Tudo de madeira. E o caixão, de madeira, que é bom, nada.

RASG!

RASG!

RASG!

RASG!

Sorria!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 21/03/2011
Reeditado em 21/03/2011
Código do texto: T2862662
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