Vocês já viram que meu nome é Anjinho.
Tenho este nome porque quando ainda era um bebê fui jogado por cima do muro desta casa na véspera de Natal. Dei sorte, minha dona me ama, talvez mais que minha própria mãe que nem conheci direito.
Mas estive pensando enquanto me espreguiço aqui no telhado.
Eu e meu irmão vivemos felizes, ganhando leite morno, carne moída, peixinhos frescos, rações variadas.
Carinho de nossa dona, que nos pega no colo, nos abraça e nos beija,faz coceirinha no nosso pescoço. Sabemos que somos amados por todos da casa até pelas duas cadelas com as quais dividimos o espaço.
Nos raspamos nelas algumas vezes , a Bebéia que é a vira latas vem diariamente me dar bom dia encostando seu focinho no meu, a outra “salsicha gorda” chamada Catarina é arredia, não chega perto, mas nos respeita, quando passamos perto ela fica parada, nem pisca, não confia em nós...
Vivemos em paz dormindo em almofadas com cobertas bem fofas e quentinhas. Depois vamos para o telhado e ficamos nos bronzeando ao sol...
Uma vida mais que feliz...
Mas, como tudo na vida tem um mas, na nossa também tem...
Sei que não devia reclamar, mas, vou reclamar assim mesmo...
É traumatizante quando nossa dona pega a gente, um de cada vez é claro, e nos enfia embaixo dágua, passa um liquido que faz uma montanha de espuma, esfrega, escova, quase nos mata afogados.
Não adianta reclamar, miar querer aranhar que ela nem se incomoda, continua nos dando banho, nos seguramos nas torneiras para fugir da água, ela nos puxa esticando nosso corpo, não tem acordo com ela, temos que nos submeter...
Que ódio!
Isso sempre se repete, desde que éramos pequenos, hoje a gente nem tenta mais arranhar, sabemos que não adianta, ela nem liga para nossa revolta...
Os cachorros ficam nos olhando, “tirando uma” com a nossa cara!
Fico pensando que logo será a vez deles, hahaha!
Para completar, ela lava nossa roupa de cama, tirando totalmente o cheiro que fazemos questão de deixar nelas, e ainda põe uma coisa perfumada que só sai com o tempo...
Nosso trabalho de amassar, afofar  com as patas é redobrado...
Não sei não, mas preciso traçar uma rota de fuga para essas ocasiões...
Pensando bem, acho que não adianta, porque uma hora teremos que voltar para casa, ninguém é besta de abandonar tamanha mordomia...
Tenho que me conformar e explicar isso ao meu irmão que é mais novo e ainda adolescente, ele está querendo sair de casa, a cada banho se revolta mais ainda...
Afinal água morna não é tão ruim assim!

Não vou mais dar conselhos, deixa ele ir bater a cabeça por aí , ver como a vida é dura, ter que procurar e até mesmo lutar por comida, tomar chuva,passar frio nos telhados e nas ruas, vai acabar voltando rapidinho...
Tentei fazer o mesmo,quando tinha a idade dele, mas não fiquei nem três horas fora de casa, voltei esfomeado e nunca mais fugi.
Só desapareço por um dia em último caso, isto é quando uma gatinha  muito especial aparece, e os outros gatos não percebem.
Nunca fui de disputar namorada na base da briga, se não “ganho” uma, logo outra aparece...
 Já estou velho para essas disputas bobas, quero mais é paz e sossego!
Não sei quem foi que disse que gato come ratos, só pode ser obra de quem não conhece gatos, somos muito seletivos e limpissimos jamais comeríamos um bicho tão imundo como esse, nós apenas os matamos
para  preservar o meio ambiente mais limpo...
Escutei o barulho do carro, minha dona acaba de sair, será que hoje vai fazer compras na peixaria, tomara que sim, faz tempo que só como carne, estou ficando enjoado,e caçar passarinhos me estressa e desgasta, não vale a pena tanto esforço por tão pouco...
Vou dormir mais um pouco, parar de filosofar e reclamar da vida, este sol está tão gostoso...
 
 
 
M.H.P.M.