Diálogo em tarde fagueira

DIÁLOGO EM TARDE FAGUEIRA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 09.03.11)

- Armando, meu caro! Que surpresa! Passeando cá pela terra?

- Nada, Volnei (*: os nomes foram trocados para preservar a identidade das pessoas). Estou morando aqui.

- Morando, Armando? E quem é que sai do Rio de Janeiro para vir morar nesta Ilha?

- Eu. E você também, Volnei. Você deixou de ser carioca para ser catarinense.

- Jamais, Armando, jamais abandonarei minha alma carioca!

- Não é questão de vontade, Volnei. Se você vive aqui há tanto tempo, ganha seu dinheiro aqui, criou os filhos aqui e os teus netos nasceram aqui, não há escolha possível.

- Você não perde mesmo essa sua mania de polemizar! Grande Armando! Quer dizer então que, se eu fosse um bandido, teria sido apanhado de calças curtas?

- É, pode-se dizer que sim, Volnei. Sorte sua que eu não sei de crime nenhum que você tenha cometido.

- Meus crimes são confidenciais, meu caro Armando. Nem pro padre eu conto. Mas, diga-me lá, meu amigo: por que você veio dar com os costados por aqui, cansou dos bandidos do Rio?

- Peguei um cara lá, Volnei, um cara grande. Comecei a ser ameaçado. A minha família, insinuavam. Em pouco tempo ele estava de volta às ruas, beneficiado pela Justiça. As ameaças se intensificaram, começaram a acontecer coisas. A Superintendência da Polícia Federal achou melhor eu dar um tempo e me transferiu para cá.

- Aí que você errou, Armando.

- Vindo para cá, Volnei?

- Não, deixando o cara vivo quando meteu as mãos em cima dele. Ou você acha que, se quiser, ele não te encontra aqui e te dá um fim, Armando? Mate o cara, suma com o corpo, há tantas maneiras de evaporar um cadáver, você sabe bem, ou plante uma arma ilegal na mão dele, com cartucho detonado, diga que ele tentou te matar, meta uma bala na própria perna, se for o caso, mas não deixe nunca um bandido vivo.

- Eu não sou assassino, Volnei.

- Quem falou em assassinato, Armando? Olhe, não existe mais pecado, não. Fale pro cara: você jogou fora a sua encarnação, estou te devolvendo pro outro lado pra ver se você volta melhor, e chumbe o sujeito. Sem dó. Eu, se pegar um bandido na minha casa, te juro: ninguém nunca vai saber o que aconteceu com ele. Com essa insegurança toda que anda por aí? Só se eu for otário, Armando, só se eu for pra deixar o cara vivo, você sabe como é.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior.

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