LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE!

“Nos países em que os mortais reinam no lugar das leis, o ministério público acusa os homens; onde as leis reinam sozinhas, o ministério público acusa somente os crimes.”

Saint-Just

O conceito de soberania assume um novo significado nas novas realidades. O poder supremo do Estado, representando a nação e proporcionalmente cada cidadão, dissolve-se nos interesses globalizados, na força de um poder virtual, nas condições impostas pelos banqueiros internacionais, nas políticas internas e externas, nas conveniências eleitorais.

Os três poderes ganham novos contornos. A independência se perde nas tantas articulações políticas, nas reformas ministeriais, nos cargos ofertados...

A elaboração das leis é definida nos encontros das lideranças partidárias, nos acordos e acomodações com o Executivo. “Tropa de choque”, “radicais” e “líderes do governo” são expressões que surgem como novas metáforas retratando as votações das lideranças nas comissões, a desnecessidade de realização de algumas plenárias, os votos fechados nos partidos, a influência do Poder Executivo na formação da ordem jurídica, os acordos informais, as mudanças no regimento interno para garantir a vitória do governo, a inversão na pauta...

A segurança jurídica, os interesses da nação, o amadurecimento do povo e o desenvolvimento perderam a característica de soberania para expressarem, de forma instantânea, os fatos políticos dos atuais governos. Ganham os holofotes eleitorais. Os protagonistas se destacam nos cenários distintos dos poderes, interagem nas funções, ensaiam as falas. O “baixo clero” faz a figuração com os votos já estabelecidos pelas lideranças...

Reestruturação da base de apoio, novos cargos, boatos de intrigas ministeriais, instabilidades, reações do “mercado”, escândalos com assessores, apresentação de novos projetos sociais...

A constitucionalidade das leis é interpretada com ressalvas. Com freqüência, os meios de comunicação exploram as motivações políticas dos julgamentos, reacendem viciadas polêmicas e desvendam novas articulações.

O povo assiste às reformas com apatia. Não se sente representado no jogo de cena, nos enredos, nas marcações... Novos privilégios se manifestam nos tratamentos diferenciados, nas imunidades, no exercício do poder, na formação dos escalões...

Tento recompor a história. Viajo no tempo e sou alcançada pelos ânimos exaltados da Revolução Francesa. Os privilégios tributários concedidos aos nobres e ao clero, a safra agrícola castigada pelo inverno rigoroso de 1788, a miséria das ruas de Paris, os pensadores do período das “luzes”... O pensamento renovado e o acaso serviram de alicerces para a revolução que se expandiu no mundo e criou o conceito de democracia com a soberania representada nos três poderes independentes.

As palavras de ordem ecoam nas ruas: Liberdade, igualdade e fraternidade!

As diferenças permanecem, as classes se reorganizam, novas lutas se travam, mas o significado da igualdade expresso no sufrágio universal se perde nas votações em bloco, nos acordos políticos... O que representa a cidadania na nova expressão de soberania? Somos livres e fraternos? Ou somos apenas manipulados com palavras perdidas na história?

Novos fatos ganham a pauta: o poder de investigação do Ministério Público é questionado. A interpretação da Constituição é redefinida nos contornos políticos. A literalidade pode restringir o poder dos membros do Ministério Público, dos fiscais da lei que concretizam o ideal de justiça quando desarticulam organizações de corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade pública. A literalidade pode limitar nossa capacidade de indignação...

O que importa? O espírito ou a letra da lei? O formalismo ou a eficiência?

A opinião pública se divide: muitos nem sabem o que representa o cargo, outros ignoram a real existência das leis. O “quarto poder” é a legítima representação da justiça, é a possibilidade de exigir o cumprimento das leis e a defesa de um povo descaracterizado de representação. A autoridade dos Procuradores não pode ser algemada com os grilhões burocráticos dos processos existentes. A função de denunciar os crimes e atuar nos processos com convicção, exercida com coragem e idealismo, deve ser respeitada por todos que zelam por uma sociedade justa e soberana.

O papel do Ministério Público já estava definido no “Espírito da Revolução”, escrito por Saint-Just em 1791. A independência no exercício da função do Procurador é essencial para o destino da democracia.

2003

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 28/06/2005
Código do texto: T28609