NO MÍNIMO, DIGNIDADE!

Semana de expectativa. O anúncio do salário-mínimo é especulado nas notícias da imprensa, nas reuniões governamentais, nas mesas de bares, nos redutos sindicais... Todos anseiam descobrir o que passa na cabeça dos trabalhadores no poder.

“Na última hora irá surpreender a todos!”

“Os mercados não aceitam...”

“Só por Cristo!”

O valor é encontrado nas equações da governabilidade e da continuidade das políticas econômicas. Representaria o incremento de alguns quilos de feijão com arroz se não considerássemos a inflação do período. Afinal o mínimo nunca foi uma referência significativa num país em que trabalhadores passam privações e estão acostumados a assumir o papel de bode expiatório.

Na véspera do Dia do Trabalhador, a revelação: duzentos e sessenta reais com alguma expectativa de melhoria no salário-família para os ativos. Novas gratificações surgem como penduricalhos para justificar o desnivelamento no vencimento de quem já está achatado na base da pirâmide social.

Teimo em não acreditar nas cenas que leio nos informativos: lágrimas ensaiadas, vozes embargadas, discursos ponderados, posturas conservadoras... Distante das notícias do Planalto, surgem as revelações da doce vida de uma celebridade, dos honorários milionários, das economias como um fundo de pensão... Uma vultosa quantia que “não é tanto assim” e está sendo guardada para possíveis imprevistos de um inativo septuagenário que provavelmente não está incluído entre os que são contemplados com o mínimo possível.

Sou assolada pela dúvida: a denominação de inativo pode ser usada sem distinção entre todos os beneficiários, ou só entre os que lotam as ruas com suas pobrezas, pesam nos cofres públicos e são responsáveis pelo rombo da previdência?

Os discursos se repetem... A culpa é da previdência, do rombo, da herança maldita... Os aposentados não ganham o mínimo para garantir a saúde na terceira idade, mas são culpados por pesarem na balança financeira... Padecem nas filas do INSS e dos hospitais públicos, mendigam medicamentos, com os atestados das aviltantes misérias, e ainda são discriminados por serem merecedores do benefício e condenados à inatividade sob os olhares de uma opinião pública dividida entre as privações e o desemprego.

Diante do legado, de um inventário interminável, as autoridades contraem suas amplas promessas de emprego, retraem os direitos alardeados como bandeiras de campanha e desfilam nas festas dos trabalhadores como guardiões da honra da classe trabalhadora, pois, apesar de tudo, ter um emprego ainda é motivo de honra para a maioria do povo brasileiro.

Programas de combate à fome e ao desemprego são lançados em exuberantes campanhas publicitárias com o crédito para o governo atual... Enquanto o mercado publicitário se expande, o piso salarial é asfaltado com argumentos como o da responsabilidade e o do risco Brasil...

O aumento do mínimo não reflete o acréscimo do desencanto e da desesperança do povo. Os discursos céticos, que percebemos nas palavras vencidas, e a raiva, que sentimos nos olhares perdidos de ideologias ou nas falas revolucionárias, desenham um futuro nebuloso...

Salário-família... Talvez possamos incluir alguns alimentos para a infância brasileira... Mas quem olhará pela velhice que não encontra abrigo nas estruturas governamentais? Quem sabe a implementação de um salário-dignidade...

2003

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 28/06/2005
Código do texto: T28606