SOLIDÃO URBANA

Um corpo cai do último andar de um prédio de vinte andares, no centro de São Paulo, domingo a tarde, logo após a queda um grupo de pessoas se juntam em volta, cada um fala uma coisa sobre o morto.

Parece o cara do décimo andar...

Não acho que já o vi na Rua Augusta, é isso ele trabalha em um restaurante italiano.

Acho que ele é o cara da banca de jornal da esquina da Rua São João.

Será? não, tenho quase certeza que esse homem mora pras banda da Liberdade, já o vi caminhando por lá... (nesse momento chega um policial, que tenta afastar os curiosos, retira alguns pertences põe em um saco plástico, em seguida cobre o corpo com um plástico preto e tenta dispersar a multidão. Aquela pequena rodinha foi aumentando e as pessoas que estão mais atrás nem sabe direito o que se passa.

É um artista famoso da novela, dando autógrafo.

Oba! Eu quero um também, fica na ponta dos pés tentando ver alguma coisa, (as crianças correm, pra cima e pra baixo, deixando os pais doidos), logo aparece um ambulante vendendo balões coloridos, algodão doce, do outro lado surge um pipoqueiro, e o evento vira uma festa, cada um imagina o que possa ter ocorrido lá na frente, os namorados aproveitam para se beijar, uma esposa reclama que seu marido está paquerando, um casal gay troca e uma senhora diz:

Esse mundo está perdido! (Nesse momento, chega o carro que recolhe o corpo e as pessoas começam a dispersar, fica apenas uma criança de seis anos, sentada toda encolhida no canto da cena,

os olhos cheio de lágrimas, murmura baixinho, mamãe...

Um policial pega em suas mãos e a leva para o conselho tutelar, após uma breve investigação se descobre que o homem morto é o pai da menina que após matar a mãe, sobe ao último andar do prédio e se joga, agora a pobre menina é mais uma alma solitária, que crescerá com a imagem da família destruída naquela tarde de domingo, onde outras famílias se divertiam e estavam felizes.