UM GRAFITE SOBRE O ASFALTO

Hoje, antes das sete, a manhã já nos desenhava o nascer de mais um dia da vida que nunca pára em lugar algum, muito menos numa megalópole como Sampa.

Por aqui o tudo e o seu tempo correm tão aceleradamente que ouvimos os roncos dos seus motores a ecoar pelos ares.

O sol ainda dormente nitidamente mandava seu recado de sonolência indolente.

Pela marginal do rio Pinheiros sempre temos a nítida sensação da tal corrida frenética sempre sem tempo e sequer interesse de observar os cenários que espocam às suas margens.

A cidade às vezes nos parece fria, posto que seus cenários, embora cinéticos, trazem a sensação de que sobrevivem mudos porém sempre a nos contarem gritantes histórias.

Algumas pessoas já despertavam sob alguns viadutos, juntamente com a flora do projeto pomar do derredor e dos pássaros, heróis mutantes, que ainda sobrevoam por aqui.

A ponte estaida, bem de longe, já nos exibia o cume de sua exuberância entre nuvens, qual um telhado holístico de proteção ao duro chão.

O odor característico do rio há tanto nos embriaga as narinas que sequer percebemos que há perfumes de toda sorte que nos impressionam porém nos imobilizam todos os mais remotos sentidos.

Então, eu seguia pela faixa de automóveis mais lentos , a observar aquele todo e a ouvir a homilia da missa da rádio preocupada com a energia nuclear recém espalhada pela Terra, aonde o pároco frisava a perda do controle da ação do Homem sobre a Natureza.

De fato, há , paradoxalmente, energias que salvam e que matam, tudo dependente da consciência e das intenções das nossas mãos.

O Homem nunca se explica por si só.

De súbito, nas paredes duma das pontes que antecedem a nossa ponte estaiada, vi uma obra de arte que me animou a emoção, como um artista de circo , que mesmo embargado, ainda lança uma boa piada à expectante plateia.

Voltei a ser criança numa fração de minutos, aliás , exatos dois segundos, para o meu automóvel perder aquela cena pelo retrovisor dos tempos.

Ali, estampada no concreto duro, um desenho colorido dum simpático boneco caricaturado delineava um belo sorriso e sob ele lia-se a inscrição :"SORRIA...se puder".

Era o epílogo do meu sentimento.

Às vezes me impressiono como um desenho nos poupa as palavras, ainda que tantos versos pulsem invisíveis pelas anônimas paredes do nosso dia a dia.

Na seguinte curva da marginal perdi o grafite colorido amalgamado ao cinza do asfalto frio que sempre deixamos para trás.