ALDEGUNDES PEREIRA DE CASTRO (UM GRANDE HOMEM)

PRÓLOGO

BEM AVENTURADO aquele que teme ao senhor e anda nos seus caminhos. Pois comerás do trabalho das tuas mãos; feliz serás. E te irá bem. A tua mulher será como a videira frutífera aos lados da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira à roda da tua mesa. Eis que assim será abençoado o homem que teme ao senhor (Salmo 128: 1-4)

Quando Deus chamou Abraão e mostrou-lhe as estrelas do céu e profetizou que, a sua descendência seria incontável como as mesmas, isto se confirmou milênios depois desta Profecia Bíblica ter sido exarada, e esse dado está na história atual da humanidade, inclusive nos inúmeros conflitos e na quantidade de descendentes espalhados por todo o mundo,incontáveis quanto as estrelas do cosmos.

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Existem homens no mundo que nós passamos a admirá-los quando tomamos conhecimento deles através dos livros de história; outros, contemporâneos, através das notícias que saem pela mídia; mas existem aqueles que, além de se transformarem em grandes personagens na história da nossa cidade, também se transformam em personagens como muita importância para a nossa história pessoal, pois de maneiras, direta e indireta acabam participando fortemente das nossas vidas e da nossa memória.

Eu tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos desses homens na minha infância, adolescência e juventude. Dentre esses muitos homens que conheci e convivi, destaco mais um deles para fazer a minha homenagem, porque ele merece muito e, no decorrer desta minha narração, vocês tomarão conhecimento dos reais motivos que me levaram a trazer à minha memória, acontecimentos tão importantes na minha existência.

Estou falando de Aldegundes Pereira de Castro que juntamente com a sua esposa, dona Fidelcina Nery de Castro teve 10 filhos: Cleudson Nery de Castro, Elda Nery de Castro, Helia Nery de Castro, Edna Nery de Castro, Aldegundes Nery de Castro Filho, Henrique Nery de Castro, Hulda Nery de Castro, Virgínia Nery de Castro, José Martinho Nery de Castro e Loyde Nery.

Seu Aldegundes, como era chamado por todos nós, com o seu ideal religioso, juntamente com a educadora, Rosa Magalhães, o Mestre Gurany e outros, ajudou na fundação da Igreja Presbiteriana de Santa Maria da Vitória e desde então se transformou no maior arauto de Deus. Se o pastor faltava para a pregação, lá estava ele à frente dos fiéis para ministrar o culto. Tudo na vida dele era importante; mas os horários dos cultos e das escolas dominicais que além de importantes, eram também sagrados. Dona Fidelcina e filhos eram as pessoas que limpavam o salão, para a realização dos cultos deixando pronto para que a palavra de Deus fosse ministrada. Quando a Igreja funcionava no auditório Henrique Mc Call, e o rio Corrente provocava enchentes impossibilitando assim a realização dos cultos, era na casa dele ou em uma das salas do Colégio Popular oliveira Magalhães. No domingo em que a pregação era feita por ele, não podíamos fazer barulho em sua casa. Ele passava toda a tarde estudando o tema e ensaiando a maneira de efetuar a pregação. Presenciei dezenas de vezes. Henrique, um dos seus filhos, às vezes brincava com as pessoas dizendo: Pessoal desde a quarta feira que papai repara a pregação e pelo o jeito, ninguém irá para cinema hoje; se o culto terminar à 10hs será cedo. Apenas uma brincadeira.

Como eu disse anteriormente, a minha homenagem ao Mestre Aldegundes Pereira de Castro, será feita através de alguns momentos que marcaram a minha vida selecionando cinco deles para mostrar a importância, não só dele na minha vida como de toda a sua família e parentes.

PIMEIRO MOMENTO .

Era início dos anos sessenta. Depois de ter viajado longos dias de trem de ferro, vapor e lancha, regressei de São Paulo, e me encontrava sozinho e solitário no colégio interno de Dona Rosa, na Rua Ruy Barbosa, sentindo falta de Suzana e Tamirinho, amigos que haviam ficado em são Paulo. Sem eles, sem televisão e sem barulho de carros, olhando a imensidão do areão das ruas de uma terra então estranha para mim, em uma manhã de sol e canto de pássaros, um garotinho da minha idade, trajando calção, calçando sandálias de couro, acompanhado de uma garotinha, sua irmãzinha, que também trajava um short e uma camiseta curta que deixava a sua barriguinha de fora, ambos desconfiados se aproximaram de mim e em poucos minutos já estávamos brincando pela sala, correndo pelas ruas, pulando de um carro de boi que ficava estacionado no beco que ficava entre a casa de Dona Rosa e de Celsinho.

Os irmãos foram as primeiras crianças de Santa Maria da vitória a darem as boas vindas para mim, e foram também os meus primeiros amigos e colegas de brincadeiras e convivência durante anos. Estou falando de Zetinho e Loyde, filhos caçulas de Seu Aldegundes e dona Fidelcina.

SEGUNDO MOMENTO

Ao entrar para valer na escola cuja sala de aula funcionava em uma casa velha que ficava entre a casa de Dona Deti e dona Lindaura, hoje escritório de Dr. Zequinha, dando assim o início da minha alfabetização, dentre as professoras voluntárias que ministravam as aulas estava Edna de Castro, uma das filhas do casal Aldegunde e Fidelcina sendo assim uma das minhas primeiras professoras.

TERCEIRO MOMENTO

Durante anos, na escola dominical, tive como professora a Helinha, como era chamada carinhosamente por nossa turma, Hélia de Castro filha do casal Aldegundes e Fidelcina, era muito querida por todos nós, e confesso que ela tinha uma didática acompanhada com muita paciência para lidar conosco, pois a nossa turma era formada por: Walter, Hênios, Zetinho, Luciano, Anfilófio, Silas, Joãzinho de Dona Rosa, Waldeque, Juvenal, Aglaê, Detizinha, Waldésia, Nilva, Loyde, Belê, Silvio, Zinha, Dora, Rica, Carminha e alguns outros, cujo nomes me fogem à memória.

Apesar de ser chamada de classe dos cordeirinhos, se fosse chamada de classe dos capetinhas,(com o perdão da palavra) não seria exagero nenhum, tamanho era o trabalho dado por nossa turma; mas Hélia sabia lidar com a gente muito bem como se fosse uma mãezona, e foi nesta classe que aprendi muita coisa sobre a Bíblia.

QUARTO MOMENTO

Depois de muitos anos de discussões e demoras, para que se abordasse o assunto sobre sexo na grade curricular das escolas, em 1970, em uma reunião dominical da liga juvenil, nós, a turma citada da classe dos cordeirinhos, tivemos uma verdadeira aula

sobre a origem da criança no ventre da mãe.

Até aquela data o conhecimento que tínhamos era a história da cegonha. A aula dada com todo o cuidado didático e pedagógico para nós, fez com que ficássemos emudecidos e atentos a cada detalhe, afinal de contas, para nós, era uma novidade e a curiosidade em não perder nada, fez com que a turma dos cordeirinhos, finalmente se comportasse como tal. O professor dessa aula era nada mais nada menos que o grande médico, Cleudson Nery de Castro, filho de Aldegundes e dona Fidelcina. Portanto, a primeira aula sobre assuntos proibidos, como a origem da criança, foi dada por um dos filhos de Seu Aldegundes

Esta aula até me custou um castigo. Na segunda feira lá na venda do mercado, quando dona Lindaura saiu para o almoço, eu reuni o maior número possível de garotos para dar aula sobre a origem da criança, imitando o Cleuzinho, como era carinhosamente chamado por todos que o conheciam desde criança. A sobrinha de Pedro Almeida, que laborava na loja de Adão Bodeiro, contou para dona Lindaura que eu estava ensinando indecência para as crianças e com isso, levei uma bronca danada. Mais tarde ela soube que foi uma aula dada por Cleuzinho na liga juvenil e tirou-me do castigo.

QUINTO MOMENTO

Este é daqueles para nunca esquecer. Dona Lucília, sobrinha de seu Aldegundes e dona Fidelcina, era professora do colégio de Dona Rosa, conhecida e temida por todos, tamanha era a sua severidade. Qualquer falha, a régua cantava solta. Acontece que de vez em quando baixava o santo da coragem em alguém, que acabava por desafiá-la e aí o pau, digo, a régua cantava à solta. Um dia foi a minha vez de virar macho e fazer o desafio. Tomei a maior sova da minha vida. Lembro-me muito bem porque eu estava com o coro cabeludo cheio de perebas e a cada cantada da régua, era uma casca de pereba que voava além de perder o rumo naquele momento na sala de aula. Mas dona Lucilia era uma das pessoas mais doce que conheci. Além de ser nossa professora, era a nossa tecladista que tocava o órgão na igreja. Foi com ela que eu aprendi sobre a bíblia de maneira histórica e na publicação que fiz recentemente no site, foi com base nos ensinamentos dela, dos quais nunca me esqueci.

MOMENTOS ETERNOS (EPÍLOGO)

Conviver desde a tenra infância com a família do Seu Aldegundes, frequentando a sua casa e tendo o carinho dos seus filhos, principalmente de, Hélia, Dezinho, Henrinque, Hulda, Virgínia, Zetinho e Loyde, com quem convivi mais tempo, já que Cleuzinho, Elda e Edna saíram mais cedo para estudarem fora, e os inúmeros sobrinhos, é algo de que jamais jogarei no olvidamento. Faz parte da minha vida por todo o sempre e a prova disto é que estou aqui, depois de longos anos relembrando de alguns fatos importantes que estão gravados até hoje na minha memória. ´

Certa vez, quando eu estava passando frias em Santa Maria, Zetinho, o caçula dos homens, comentou comigo que assim que terminou a construção da casa nova e depois de ter sido feita a mudança para a nova casa, antes de iniciar o processo de demolição da casa antiga, o seu Aldegundes pediu para ficar algumas horas na casa velha. Segundo Zetinho, ele acabou ficando o dia inteiro para se despedir da casa. Este fato impressionou-me deverasmente e viajando de Santa Maria de volta para São Paulo, fui refletindo sobre o que o amigo Zetinho havia falado para mim.

Pus me no lugar de mestre Aldegundes e comecei a pensar e a navegar na história deste grande Homem. Aquela casa foi, talvez, o maior cenário da sua história. Ali ele e dona Fidelcina passaram os momentos mais marcantes das suas vidas. O nascimento do primeiro filho; o primeiro chorar; a despontar do primeiro dente, o primeiro andar; o primeiro falar; a primeira ida a escola; o nascimento do segundo filho, do terceiro, do décimo; o culto doméstico ao redor da mesa na hora do café, às vezes antes às vezes depois. A casa cheia de sobrinhos e parentes entrando e saindo. As reuniões dos correligionários políticos. As pessoas que enchiam a casa aos sábados, dia de feiras. Os cultos da Igreja, a reunião da classe dos cordeirinhos. a saída do primeiro filho para estudar fora da cidade; o retorno nas férias; a ida dos demais filhos; a primeira filha a ficar noiva; a primeira filha a se casar; a chegada do primeiro neto.

Naquela casa seu Aldegundes e dona Fidelcina construram um verdadeiro lar cristão, e souberam manter todos os seus filhos no mesmo caminho.

´ Imaginem pois vocês, se eu, que frequentei aquela casa por alguns anos, lembro-me bem de quase todas as suas dependências, do primeiro quintal com um grande alpendre cheio de quartos, com árvores no quintal, o segundo quintal onde se criava galinhas e porcos, os ladrilhos do chão onde caminhávamos, a casa sempre cheia e acolhedora, o quarto onde ficava dona Virginia, o quarto da Maria Beda onde comprávamos frutas, o quarto do Zé Martinho (Zetinho) onde fazíamos bagunça, a sala onde se realizava as reuniões da classe dos cordeirinhos, jamais poderão avaliar o que se passou no coração do Mestre Aldegundes, ao se despedir da velha casa.

Só ele poderia dizê-lo. Ele estava se despedindo dos momentos espetaculares e marcantes da sua existência e história. Talvez o maior enredo da sua história foi desenvolvido ali naquela velha casa, e isto é algo que marca a vida de qualquer grande homem e, a partir desta minha navegação, eu pude entender que, o que faz um grande homem não é só os seus grandes feitos para a humanidade: É a maneira reta de nortear a vida com a fé em Deus, amor ao próximo, e o grande sentimento de valorizar todos os dias da vida, não importando que os momentos nem sempre sejam como esperamos que sejam, mas vale a somatória do conjunto da obra.

E o casal Aldegundes e Fidelcina, juntamente com os seus filhos, é o exemplo vivo de uma bela obra construída.

Excertos biográficos retirados do JORNAL COMÉRCIO HOJE(De Santa Maria da Vitória/BA, dados exarados por José Martinho e Edna castro, filhos de seu Aldegundes e dona Fidelcina)

.....Aldegundes Pereira de Castro, filho de José Pereira de Castro e de Inácia Pereira Ramos nasceu no dia 3 de março de 1903, no alvorecer do século passado, na fazenda Pombas no município do Rio das Éguas hoje denominado Correntina.

Aos dezessete anos começou a trabalhar no comércio da própria família em uma modesta venda e desde os 20 anos teve a iniciativa de participar da vida cultural da cidade junto ao grupo teatral, na filarmônica 6 de Outubro e nas cavalhadas. Na vida política escreveu artigos para o jornal Idéia, Tribuna do Povo e ocupou a função de conselheiro no governo do Intendente major Elias de Souza Borba, em 1928, no final da República Velha.

Depois de prestar serviços à sociedade santamariense na área cultural, econômica e religiosa, durante muitos anos, voltou a participar do cenário político e exerceu ao todo em sete mandatos a função de vereador. Teve a iniciativa de elaborar o projeto de lei nº 118 de 1967 e o de no 33 de 3 de maio de 1974, respectivamente, onde estabeleceu a ata 26 de junho como feriado e dia do aniversário de Santa Maria da Vitória, e dos projetos que criaram a bandeira e o brazão do municipio. Neste período os vereadores da época não eram remunerados.

Aldegundes como político, soube zelar pelo patrimônio público e divergir dos adversários políticos, de forma respeitosa, a ponto de conquistar a admiração dos mesmos. Hoje aos 106 anos, ele agradece a Deus o dom da vida e sente-se realizado ao lado dos familiares, apesar da perda de sua saudosa esposa, aguardando a comemoração do centenário da cidade com brilhantismo, conforme deixou registrado na Lei no 118 de 1967.....

É O QUE HÁ