O SAFO...

Grupos... reunião de pessoas que estão imbuídas num mesmo objetivo. E mesmo sendo a família o primeiro grupo em que o homem relaciona-se, existem outros que temos que conviver, admirá-los e, muitas vezes, até mesmo aturá-los. Estes grupos, depois do familiar, são compostos em escolas, religiões, nos trabalhos e clubes. Se a formação de grupos, seus membros busquem o mesmo objetivo, alguns desses mesmos membros se comportam e agem diferentemente.

conheci, na Marinha, a algum tempo atrás, dois amigos, dentre tantos, que tinham algo de incomum... um, muito organizado, responsável, nos gestos e atos que podia-se dizer exemplar. Tão organizado e preciso qual britânico. O outro, totalmente o oposto em gostos e organização pessoal. Talvez fosse tal forte as suas diferenças que aquela amizade parecia ser interligada qual um feto pelo cordão umbilical com a mãe. E talvez fosse por isso que aquela amizade, entre trancos e barrancos, tivesse durado por muito e muitos anos. Como é sabido: “corpos estranhos se atraem”, seria utilizado para tal amizade.

Ambos eram marinheiros. Comum era que o Tobias estivesse sempre pronto para qualquer paradão que por ventura fosse determinado de uma hora pra outra, como é comum no âmbito militar. Seus uniformes estavam sempre dentro do seu armário. Nenhuma surpresa acontecia ao Tobias, estava sempre apostos na sua organização.

Assim que os seus uniformes eram utilizados, ao chegar no primeiro porto, ele os mandava para uma lavanderia e os mesmos viam engomados, passados e mais uma vez eram recolocados, cuidadosamente, no devido lugar... para as próximas inspeções e desfiles.

O outro marinheiro... bem, só Deus para ter piedade dele... no que dizia ao sufoco, que chama-se onça no dicionário naval. O marinheiro, como dito, estava sempre a rir. Ria à toa. Tudo para ele estava bem. Até a despreocupação lhe era peculiar... mas, quando por incoviniências de uma inspeção ou desfile, o mesmo, como sempre, era pego de surpresa e naqueles momentos, entrava em desespero e seus uniformes, que não se sabe por quais cargas d`águas não se faziam presentes no seu armário, causando-lhe um sufoco total.

Em desespero, saindo ele do marasmo tão comum ao seu desleixe, corria de armário em armário, a suplicar...

–“Campa”, me empreste um sapato. E, dirigindo-se a outro; campa, arranje-me uma camiseta branca... ou, um par de meias. E dando continuidade aos seus habituais pedidos a beltrano e a sicrano... no final das contas, estava ele com um sapato apertado ou folgado, gandola, um pouco amarelada a desvirtuar o padrão de uniformes que em fileiras encontravam-se. E depois dos desesperos que ocorriam por seus atos relapsos, terminadas as formaturas, por fim, retornando a sua tranqüilidade habitual, ainda ousava dizer...

– Tá safo!!!

O Marinho, era de tal forma desleixado que até perfume ele costumava pedir aos colegas...

Todos os que o conhecia, já haviam o deixado de mão... mas, amigos são para essas “coisas”. Os colegas não mais suportando tais gestos de Marinho, começaram a afastar-se dele e a negar-lhe objetos pessoais e uniformes.

Mesmo Tobias sendo o seu melhor amigo, também estava “p” da vida. Muitas vezes chamava a atenção de Marinho que, cabisbaixo só ouvia como que comovido.

– Pô, Marinho...você não se manca, rapaz?! Você sabe que somos velhos amigos. Nos conhecemos desde o recrutamento na Base Naval de Aratu; fizemos o curso de cabo, juntos, somos da mesma turma de sargentos... e você não se exempla! Já és quase primeiro sargento e ainda não se aprumou?

E Tobias, ainda indignado, a reclamar, e a jurar que seria a última vez, mas como sempre, estava a ajudá-lo.

– Bem... estou um pouco envergonhado–continuou–deixamos o porto e esqueci, “campa”, pela primeira vez–mentira–, de comprar uma bisnaga de creme dental e pensei que você podia me ajudar...

Depois de bronquear quase meia hora, terminado o “sermão”...

– Que seja a última vez que te arranjo algo; e cadê a sua escova para que assim eu possa pôr o creme dental?

Como que inibido, Marinho ainda respondeu;

– Eu ia te pedir outra coisa para colocar o creme dental... mas, para não te incomodar, PONHA NO MEU DEDO MESMO!

Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 08/11/2006
Código do texto: T285364