Buzina do Chacrinha

Por intermédio do senhor João Parra (servidor público municipal de São Paulo), fiquei conhecendo o sanfoneiro “Mario Barbiere”, que exercia a profissão de vidraceiro.

O senhor Mario era um músico autodidata, que tinha uma sensibilidade extraordinária, bastava ele ouvir uma só vez uma melodia qualquer e pronto. A música “My girl” que teve como versão para o português o titulo “Meu bem”, foi gravada pelo então príncipe da Jovem Guarda conhecido por Ronnie Von. Essa música não se enquadrava no estilo de música para ser executada na sanfona, ou acordeão, harmônica, gaita, como alguns dizem.

Eu disse para o senhor Mario: você tem condições de tocar “Meu Bem”. Ele dizia não conhecer. Fui buscar o disco de vinil, botei numa vitrola tipo Sonata, liguei. Ele ficou ouvindo, achou o tom da melodia no ato e foi brincando em cima da melodia.

Ao terminar de tocar o disco, sem que ele soubesse, eu gravei numa fita K7. Liguei o gravador, ao ouvir ficou emocionado.

Era algo extraordinário o seu desempenho, agilidade nos dedos era incrível. Nesses tempos havia muitos programas de calouros, e ele, mesmo não tendo o instrumento musical, inscrevia-se em tudo que era programa de calouros, e sempre ganhava um bom prêmio, às vezes em dinheiro, reforçando o seu orçamento mensal.

Certo dia ele veio até a minha residência, nesta época eu morava com os meus pais no bairro Jardim Botucatu, dizia ele que tinha feito uma inscrição no programa de calouros Buzina do Chacrinha (TV Excelsior – Canal 9), e ia precisar de um instrumento para se apresentar. Eu prontamente disse que emprestaria, aliás, vamos juntos. Eu nunca tinha ido num auditório de TV, e esta seria uma boa oportunidade de conhecer como é realizado o programa de calouros.

Era sábado, peguei a minha sanfona de 80 baixos e fomos nós pegarmos o ônibus Jardim Clímax/Praça da República, em uma hora de viagem já estávamos no centro de São Paulo. Da Praça da República até a Rua Nestor Pestana levamos meia hora, andando a pé com a sanfona, cada um carregava um pouco, e por onde passávamos os curiosos queriam saber que éramos nós.

Enfim, chegamos às dependências da TV Excelsior, via-se uma grande fila para entrar no auditório, o preço da entrada era mais ou menos 5 pratas, não me lembro se era cruzeiro, novo cruzeiro, isso porque mudou tanto a nossa moeda brasileira... Ele já conhecia o auditório da TV, foi entrando pela porta principal, eu fiquei numa fila, ele vendo que eu não o acompanhava, retornou e me tirou um sarro, disse: ei, meu chapa, artista entra pela porta principal. Eu fazendo de conta que eu ia me apresentar peguei a sanfona e fui entrando. Sentamos na primeira fila.

Pela aparência das instalações do prédio, pensei que ali tivesse sido alguma sala de cinema.

Na primeira fila, sentavam todos os calouros que iam se apresentar e mais pessoas que eram do meio artístico convidados pela produção do programa.

Achei muito bom, as famosas Chacretes estavam a postos, só aguardando o sinal para iniciar o programa, daí tocavam o prefixo do programa “Ó Terezinha... Ó Terezinha, vai começar a discoteca do Chacrinha”.

Com a sua tradicional indumentária, Chacrinha ia chamando pelo microfone os calouros, e se algum fosse mal ganhava um Troféu Abacaxi, enfim, era muito divertido.

Chegou a hora do meu amigo Mario se apresentar. Chacrinha perguntou a ele. O que vai tocar meu filho... Ao mesmo tempo em que buzinava... Agora com vocês, o sanfoneiro Mario Barbiere.

O Mario estava muito nervoso e balbuciava próximo do microfone, ninguém entendia nada. Eu vou tocar a musica “El choclo” – tango brejeiro, respondia o Mario. O Mario tinha um problema nas cordas vocais, às vezes ele falava fino, ao mesmo tempo falava grosso. Mas tocou certinho até finalizar e foi aplaudido pelo público presente, em seguida colocou a sanfona no estojo e veio para o banco onde eu estava sentado, aguardando o término do programa e também o julgamento.

Quem julgou os calouros neste dia foi o famoso instrumentista conhecido por “Mingo”, tecladista e saxofonista do então conjunto musical da Jovem Guarda “Os Incríveis” (que fez muito sucesso com a música “The Milionaire” – “O Milionário”). Acredito que por ser ele músico ligado ao movimento musical da Jovem Guarda, não premiou os calouros que cantaram música sertaneja, premiando sim um calouro dublador. De qualquer forma, foi muito legal assistir a um programa de televisão ao vivo nos anos 1970.

Tangerynus
Enviado por Tangerynus em 17/03/2011
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