Dois Bancos no Chão

Os dois bancos estavam no chão. Ambos foram presente de minha mãe. Ambos serviram de assento para alguns de meus poucos amigos que vinham até minha casa. E todos eles se sentaram nesses bancos para que tomássemos algumas cervejas juntos. E agora os dois estavam jogados no chão. Não caíram porque tropecei neles após alguma de minhas muitas bebedeiras. Eu os chutei. Os vi em pé parados, mais em pé do que eu. Acho que de certa forma isso me incomodou e meti-lhes um belo chute. Derrubei ambos ao mesmo tempo. Depois arrastei um deles para um pouco longe da porta, assim não me atrapalharia ao sair para trabalhar no outro dia.

Sobre a mesa de meu apartamento havia uma fenomenal bagunça. E havia também uma garrafa de conhaque quase vazia. E havia ainda minha caneca de cerveja, sempre e sempre reabastecida. E ao meu redor, as roupas jogadas jaziam no chão. A cozinha imunda me esperava para mais uma refeição. É claro, assim que eu levasse os sacos cheios de latas de cerveja para fora. Caso contrário não havia nem ao menos condições de me locomover no recinto.

Mas, nada disso importava. O que importava eram os dois bancos atirados sobre o chão. Dois bancos que eu havia chutado. E por quê? Não sei bem dizer. Foram no fundo dois pobres bodes expiatórios. A vida nos chuta a cara todos os dias. E chuta com força. Dói. Infelizmente, ainda não aprendi como meter um chute na cara dessa vadia. Precisava de algo ou alguém que cumprisse esse papel. Pelo menos, não é tão mal assim. Poderia ter chutado uma pessoa, um amigo, um companheiro de trabalho. Mas, desferi o golpe em dois objetos inanimados.

E ambos continuavam ali. Golpeados, maltratados sem culpa alguma. Mas, ainda prontos para servirem como utensílios assim que necessários. Pobres coitados. Acho que de certa forma enxerguei neles a humanidade. Afinal, todos os dias somos humilhados, golpeados, chutados, socados, esmurrados, espancados, judiados, destroçados e destruídos. E nem sequer sabemos o porquê. No fim, somos escravos de um conjunto de ilusões que nos forçam a acreditar. É uma pena, uma verdadeira pena, que não somos dotados da incapacidade de sentir.

Vou deixar um pouco de lado os bancos que chutei (já me aliviei por não os ter quebrado). Agora olho as paredes a minha volta. Estão sujas e ficando amareladas. Lembro-me que certa vez, uma professora me disse: “Tranque um sujeito em quarto com paredes amarelas e em duas semanas ele se matará.” Bom, até agora estou vivo. E enquanto estou vivo, observo essas paredes. E até que me agradam. Em cada canto há uma teia de aranha ou alguma traça. Ou as duas disputando o território. Mas, o que realmente conta é que são elas que me fornecem algum isolamento de tudo.

No fundo, acho que nutro certa paixão por essas paredes, e pela janela que a complementa. São elas que escondem minhas lágrimas, são elas que escondem quando bebo demais e durmo no chão, são elas que ME escondem de todo o resto. Ah, claro... elas esconderam quando tudo que me cerca se mostrou uma merda, mais uma vez, e chutei os bancos. E me sinto feliz por isso. Já não basta os vizinhos me olharem como o “sujeito-que-leva-uma-dúzia-de-latas-de-cerveja-por-dia-para-o-lixo”. De fato, o melhor convívio social possível é NÃO TER convívio social.

Eis que termino aqui esteve devaneio. Sim, não se deve chamar essas poucas linhas de conto, crônica ou que seja. Não merecem nenhum desses rótulos. Não passam de um devaneio de bêbado. Aliás, minha vida toda não passa de um devaneio de um bêbado. E quem liga? As lágrimas que me cobrem o rosto são formadas pela cerveja contida na lata que se encontra desprezada no saco de lixo jogado na cozinha. Se você se importa, chute os bancos, ou a mesa, ou a televisão, ou objeto mais próximo. Melhor chutar antes de levar o chute. É claro que este último não pode ser evitado. Mas, quem sabe, seria menos dolorido? Mas, não se esqueça da cerveja, no final, ela pode lhe salvar, ou o chão do seu quarto, ou o chão de uma praça, ou uma sarjeta qualquer. No fim, se alguém se importa é você mesmo...