O Brasil é um crime perfeito
Esse texto é de Tião Martins, que publica diariamente no jornal Hoje em dia
"As maiores riquezas naturais do mundo ainda estão no Brasil, proclamam os patriotas mais exaltados. Mas até quando será assim, se boa parte dessas riquezas já se foi e nunca mais voltou e o resto está indo mais depressa que antes?
Nesta nossa democracia de fachada, os homens públicos federais assaltam o povo de três formas: elevam impostos, aumentam seus salários e metem a mão nos generosos cofres do governo, por meio de concorrências cujos resultados são negociados na véspera.
Temos os políticos mais caros, mais ricos e mais improdutivos do planeta. Se você quiser mais informações, pergunte aos bancos suíços, que não vão responder, mas confessam que voltaram a crescer feito chuchu na cerca, nos últimos oito anos.
Quase tudo que sai daqui está lá, sob a proteção do renovado sigilo bancário e longe dos olhos de curiosos como você.
Enquanto você trabalha, os companheiros brincam de esconde-esconde. E escondem tudo. Se a CPMF for recriada, vai faltar cofre até na Suíça para guardar o dinheirinho dos nossos "estadistas".
Mas você é um sujeito feliz e generoso. Tanto é que este ano vai trabalhar 148 dias só para pagar impostos municipais, estaduais e federais (o cálculo é do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Sua cidade pode estar caindo aos pedaços, por falta de recursos ou incompetência do prefeito. Mas você se consola ao pensar na farra que farão em Brasília com seu dinheiro.
No mensalão, milhões de reais deslizaram para os bolsos generosos dos deputados modelo flex. E nenhum deles foi preso ou devolveu um centavo sequer, porque o processo dorme até hoje o sonho dos justos nos escaninhos do Supremo Tribunal Federal, onde, por mero acaso, a maioria foi escolhida e nomeada pelo próprio governo. Fica tudo em casa, em família, grande e harmoniosa família que só admite briga para ver quem leva a parte do leão. E você não é parte dela.
Até hoje ninguém sabe quanto custou o mensalão, armado para comprar votos favoráveis ao governo na Câmara dos Deputados. Só sabemos que custou caro e que pagamos a fatura. Mas não se atormente. Está tudo nas mãos de gente séria, que sabe o quer e vive muito bem.
De Sarney a Tiririca, o Brasil é uma comédia só, os atores são sempre os mesmos, o texto é chato e você só tem uma escolha: rir ou chorar.
Na África e no Oriente Médio, o povo venceu o medo que sentia dos ditadores e está nas ruas, exigindo democracia, justiça e liberdade. Enquanto isso, usamos a democracia para eleger Sarney e seu bando.
Aqui, a cada dia fingimos acreditar que na próxima semana tudo vai mudar para melhor, com os milagres do pré-sal, da Bolsa Família, da casa própria, da transposição do Rio São Francisco e, agora, com os cortes no Orçamento e o sorriso da Dilma.
Já deu para notar que era tudo fábula, não deu? E, por falar nisso, que fim levou o fabuloso pré-sal, que antes das eleições seria a salvação da pátria? Vai ver que o gato comeu. O gato come tudo.
Sempre se disse que o brasileiro não tem memória. Mas isso só vale para nós, da planície. No Planalto, ninguém esquece a senha que dá acesso aos cartões corporativos e aos depósitos na Suíça. Mas temos um motivo de orgulho: o Brasil é um crime perfeito, coisa que não existe em lugar nenhum. E tão perfeito que autores e vítimas são sempre os mesmos: eles e nós."
Postado em 15 de Março, 2011
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