Cães e cadelinhas
célebres
1. Nas horas vagas, sou um passarinheiro.Todo mundo sabe disso. Cheguei a criar canoros passarins, acomodando-os em bonitas gaiolas de arame e de palitos. Eles alegravam a varanda de minha casa. Era uma festa.
2. Porque gosto de criar passarinhos, sou duramente criticado. Catucam-me, dizendo que um devoto de Francisco de Assis não pode ser carcereiro de aves.
3. Sei que o Poverello amava os pássaros; e os queria pulando nos olivais da sua encantadora Úmbria; ou pipilando nos beirais da Porciúncula, do amanhecer, à hora do sol se pôr.
4. É claro que gostaria de, neste particular, imitar frei Francisco. Conviver com sabiás, curiós, canários e bem-te-vis sem tirá-los do seu pedaço; do seu espaço. Sem ter que lhes limitar o voo e a liberdade.
Não vejo, porém, outra maneira de tê-los bem perto de mim, dulcificando com seus trinados as minhas horas, sem confiná-los em gaiolas.
5. Mas falemos, hoje, de cães e cadelinhas.
Que muita gente adora criar cachorros, não é nenhuma novidade. Eu, não.
Até aqui, somente dois cães gozaram da intimidade de minha casa: Bruno da Viola, um Dobermann pretinho, imponente e feroz; e Oki, um Cocker Spaniel manso, arisco, de pelo crespo e vistoso. De ambos, recolhi comovedoras provas de fidelidade. Quando os via balançando o rabo, sabia-os ridentes. Victor Hugo dizia que "os cães têm o sorriso na cauda".
6. Nos livros, que andei lendo pela vida afora, encontrei cães e cadelinhas célebres, porque célebres eram os seus donos.
Alexandre, o Grande, Imperador da Macedônia, tinha um cachorro chamado Péritas. O soberano gostava tanto do seu cão, que deu a uma cidade grega o nome de Péritas!
7. Consta, que Graciliano Ramos dedicava momentos de intensa ternura à sua cadelinha Baleia. Dizem até, que o Velho Graça não dispensava a seus amigos a mesma blandícia com a qual acariciava sua amiga Baleia! E que, por pouco, não deu ao seu romance Vidas Secas o nome de sua cadelinha.
8. Carlos Heitor Cony devotava profunda amizade à sua cadelinha Mila. Soube, que depois da morte de Mila, Cony teria deixado de escrever, por longo tempo, suas belas e inteligentes crônicas.
9. Josué Montello, não tem cachorro. Mas, em O carrasco que era santo, fala de Miudinho, o cãozinho de frei Ludgero. Miudinho acompanhava o amigo frade até nas orações que o franciscano fazia diante da imagem de Francisco de Assis.
Quando Miudinho morreu, um confrade, vendo frei Ludgero chorando, tentou consolá-lo, dizendo: "Se há cachorros no Céu, irmão Ludgero, o Miudinho é um deles."
10. E o cachorro Chiquinho? Acompanhou seu dono, o escritor Antônio F.Costella, em demorado giro pela Europa. Costella confiou-lhe a tarefa de contar a história da viagem, transformando-o, no seu livro, em um esperto cahorro repórter. Os livros Patas na Europa; Patas2-A viagem continua; e Patas3-Ossos de Pizza, são agradabilíssimos.
11. Lembro, aqui, também, a cadela Zurica, o xodó do poeta Augusto Frederico Schmidt. 12. A Bíblia Sagrada imortalizou os cachorros de Lázaro: Lambiam-lhe as feridas, para suavizar-lhe as dores, dizem os Evangelistas. Não lhes conhecemos os nomes. 13. Olavo Bilac, em novembro de 1897, recordou, em uma expressiva crônica, os leais Cães de Canudos. Cessado "o clamor da artilharia", esses cães teriam voltado ao arraial do Conselheiro a procura de seus donos.
Bilac transcreve o que sobre eles disse um oficial de Canudos, ou seja, que viu muitos desses cães "empenhados em cavar a terra, em descobrir os cadáveres podres, em farejá-los longamente, procurando descobrir os donos, os antigos companheiros das caçadas". 14. Não gostaria de finalizar esta crônica, de colorido canino, sem lembrar o terrível cão Cérbero, conhecido como o guardião das portas do inferno. Como deixá-lo de fora, se Cérbero é um famoso cachorro da Mitologia? Talvez o mais famoso. Tão famoso, que mereceu de Jorge Luis Borges um atraente e ilustrado texto, em O Livro dos Seres Imaginários, que reli, aproveitando um desses feriadões. Dantesco, Cérbero, sem dono, é um cachorro célebre.
célebres
1. Nas horas vagas, sou um passarinheiro.Todo mundo sabe disso. Cheguei a criar canoros passarins, acomodando-os em bonitas gaiolas de arame e de palitos. Eles alegravam a varanda de minha casa. Era uma festa.
2. Porque gosto de criar passarinhos, sou duramente criticado. Catucam-me, dizendo que um devoto de Francisco de Assis não pode ser carcereiro de aves.
3. Sei que o Poverello amava os pássaros; e os queria pulando nos olivais da sua encantadora Úmbria; ou pipilando nos beirais da Porciúncula, do amanhecer, à hora do sol se pôr.
4. É claro que gostaria de, neste particular, imitar frei Francisco. Conviver com sabiás, curiós, canários e bem-te-vis sem tirá-los do seu pedaço; do seu espaço. Sem ter que lhes limitar o voo e a liberdade.
Não vejo, porém, outra maneira de tê-los bem perto de mim, dulcificando com seus trinados as minhas horas, sem confiná-los em gaiolas.
5. Mas falemos, hoje, de cães e cadelinhas.
Que muita gente adora criar cachorros, não é nenhuma novidade. Eu, não.
Até aqui, somente dois cães gozaram da intimidade de minha casa: Bruno da Viola, um Dobermann pretinho, imponente e feroz; e Oki, um Cocker Spaniel manso, arisco, de pelo crespo e vistoso. De ambos, recolhi comovedoras provas de fidelidade. Quando os via balançando o rabo, sabia-os ridentes. Victor Hugo dizia que "os cães têm o sorriso na cauda".
6. Nos livros, que andei lendo pela vida afora, encontrei cães e cadelinhas célebres, porque célebres eram os seus donos.
Alexandre, o Grande, Imperador da Macedônia, tinha um cachorro chamado Péritas. O soberano gostava tanto do seu cão, que deu a uma cidade grega o nome de Péritas!
7. Consta, que Graciliano Ramos dedicava momentos de intensa ternura à sua cadelinha Baleia. Dizem até, que o Velho Graça não dispensava a seus amigos a mesma blandícia com a qual acariciava sua amiga Baleia! E que, por pouco, não deu ao seu romance Vidas Secas o nome de sua cadelinha.
8. Carlos Heitor Cony devotava profunda amizade à sua cadelinha Mila. Soube, que depois da morte de Mila, Cony teria deixado de escrever, por longo tempo, suas belas e inteligentes crônicas.
9. Josué Montello, não tem cachorro. Mas, em O carrasco que era santo, fala de Miudinho, o cãozinho de frei Ludgero. Miudinho acompanhava o amigo frade até nas orações que o franciscano fazia diante da imagem de Francisco de Assis.
Quando Miudinho morreu, um confrade, vendo frei Ludgero chorando, tentou consolá-lo, dizendo: "Se há cachorros no Céu, irmão Ludgero, o Miudinho é um deles."
10. E o cachorro Chiquinho? Acompanhou seu dono, o escritor Antônio F.Costella, em demorado giro pela Europa. Costella confiou-lhe a tarefa de contar a história da viagem, transformando-o, no seu livro, em um esperto cahorro repórter. Os livros Patas na Europa; Patas2-A viagem continua; e Patas3-Ossos de Pizza, são agradabilíssimos.
11. Lembro, aqui, também, a cadela Zurica, o xodó do poeta Augusto Frederico Schmidt. 12. A Bíblia Sagrada imortalizou os cachorros de Lázaro: Lambiam-lhe as feridas, para suavizar-lhe as dores, dizem os Evangelistas. Não lhes conhecemos os nomes. 13. Olavo Bilac, em novembro de 1897, recordou, em uma expressiva crônica, os leais Cães de Canudos. Cessado "o clamor da artilharia", esses cães teriam voltado ao arraial do Conselheiro a procura de seus donos.
Bilac transcreve o que sobre eles disse um oficial de Canudos, ou seja, que viu muitos desses cães "empenhados em cavar a terra, em descobrir os cadáveres podres, em farejá-los longamente, procurando descobrir os donos, os antigos companheiros das caçadas". 14. Não gostaria de finalizar esta crônica, de colorido canino, sem lembrar o terrível cão Cérbero, conhecido como o guardião das portas do inferno. Como deixá-lo de fora, se Cérbero é um famoso cachorro da Mitologia? Talvez o mais famoso. Tão famoso, que mereceu de Jorge Luis Borges um atraente e ilustrado texto, em O Livro dos Seres Imaginários, que reli, aproveitando um desses feriadões. Dantesco, Cérbero, sem dono, é um cachorro célebre.