Sonhos Perdidos

Ao debater-me em meio a lençóis que sufocam, um pensamento me assusta. Não é a falta de sono, o cansaço que doravante virá, são os sonhos que não o farão. Isto me preocupa em tamanho grau, pois são os sonhos, tanto os bons quanto os ruins, que nos arrastam para longe desta realidade, que apenas para alguns poucos felizardos, é uma experiência repleta de alegrias e prazeres infindos. Para o resto de nós, que tem um buraco no peito, e tentam preenchê-lo das mais diversas maneiras, sonhar é uma benção.

Quando digo “nós”, falo sobre um todo composto de diversos. Falo do empresário, que vê nos hematomas que espalha pela mulher um alívio; do mestre de obras, que busca nos braços de bem remuneradas damas o conforto que a vida lhe nega; da professora, que chora escondida as dores que sente; daqueles que não tem lar, ainda que tenham casa, que bebem a fim de completar um recipiente sem fundo; destes, e de muitos outros. São estes, pobres e sofredores seres, que almejam o sono, almejam planar sobre pastos desconhecidos, serem amados por aqueles que os repudiam, ser quem não se é, estar onde não se pode, dizer o que não se deve. Estes, se observados ao despertar, terão um semblante que pode ser confundido com felicidade, não pelo dia que esta por vir, pela vida desperta que os aguarda, mas pelo pequeno escape, este breve desvencilhar que é o sonhar. É isto, reitero, que faz ser possível prosseguir neste viver estagnado, num existir sôfrego, dia após dia, ano após ano.

Agora, imaginem uma pessoa, em cujo ser o sofrer cravou fundo as garras, privada deste ínfimo prazer, incapaz de cerrar os olhos, e por um espaço de tempo, simplesmente se ver livre das amarras da vida, que ferem a carne e a alma. Imaginem, o quanto sofre o sofrido insone. Este compartilha a porção da vida desperta, com outros que carregam sobre os ombros sua cota de dor e cansaço, e tem para si só, a noite em claro. Enquanto todos ressonam, ele soluça, o sono, vilão, dele se evade, passa a lhe troçar quando muito. Esta criatura perambula pela madrugada, tropeça pela casa, lamuria-se sem jamais ser ouvida, suplica sem ser atendida, sofre sem ninguém notar. Enquanto alguns sorriem em meio a belos sonhos, e outros rolam desesperados em terríveis pesadelos, esta mantêm-se atada aos inquebráveis grilhões da realidade. E ficaria assim, acordada em agonia até que simplesmente desfalecesse sem vida, não fosse uma bela musa que lhe sorri, a exaustão.

É ela aquela que se condói, fecha a força teimosas pálpebras, desliga de supetão sistemas que se recusam a fazê-lo de bom grado, carrega consigo, para a inconsciência, aquele que é incapaz de abraçá-la sem auxílio. Logicamente, ela não é tão poderosa, neste aspecto de dar repouso, propiciar a criação de maravilhosos sonhos, quanto seu irmão sono. Quando finalmente consegue derrubar-nos, para a estranha escuridão que se assemelha ao sonho dos justos, é algo tão leve quanto o suspirar de um recém nascido, entrecortado por diversos momentos de semi consciência e nos leva a fragmentos minúsculos de sonho, que duram átimos de segundo. Mas ainda que peque por esta falta de poderio, a exaustão excede qualquer outro em matéria de companheirismo e compaixão, especialmente para com aquele que vê no sono um estranho distante.

Ao despertar, deste pseudo descanso, ela continua ao seu lado.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 16/03/2011
Código do texto: T2851532
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