O primeiro beijo de um adolescente no Cine Anchieta

Eu trabalhava numa adega, localizada na Rua Silva Bueno, Ipiranga-SP, sendo que o meu trabalho eram serviços gerais. Atendia aos clientes no balcão, servindo copos de vinho, limpeza, lavar litros e garrafões, isto todas as segundas-feiras. Nos dias subseqüentes o nosso trabalho era engarrafar vinho, tanto em litros com em garrafões, depois colocávamos rótulos identificando a qualidade: vinho tinto seco; vinho suave (doce); vinho branco seco e também vinho moscatel.

O engarrafamento era feito manualmente, litro por litro, garrafão por garrafão, mediante uma torneira encravada nos tonéis (barris) de madeira postados em cima de um cavalete de madeira.

Assim íamos nós, eu Tangerynus e o Eduardo Sabag (Turquinho), e o serviço mais chato pra nós era ter de lavar litros e garrafões que recebíamos dos clientes, isto porque os litros vinham sujos de: gasolina; querosene, água de lavadeira etc.

Na sexta-feira, colocávamos os litros e garrafões num tanque com água e uma boa quantidade de solupam (soda caustica) para ficar de molho. Segunda-feira não havia expediente e vamos nós lavar os litros, serviço encerrado daí as mãos todas feridas pelo uso de soda caustica.

Certo dia pegamos um litro de vinho Moscatel e um bom pedaço de queijo "Parmesão - faixa azul" e saímos pelas ruas do Ipiranga, tomando uns goles e saboreando o queijo, que, aliás, era muito bom.

O tempo passou, quando demos conta já tínhamos ingerido meio litro de vinho. Ambos meio baleados, íamos aprontando pelo caminho, de repente vem um grupo de garotos dirigindo a nós com intuito de agredir por agredir. Seria uma gangue? Tanto eu como o "Turquinho" saímos num galope pra escapar de um possível linchamento, eles deviam estar num grupo de dez ou mais integrantes, não teríamos chance de nos defender.

Nos dias de domingo eu tinha de levar uma encomenda para um senhor que residia na Avenida Dom Pedro I, bem próximo da Rua Ouvidor de Portugal.

Pegava o bonde aberto na Rua Silva Bueno, que ia à zig - zag pelos trilhos cravados no solo. Com os dois garrafões numa sacola, sentado no banco de madeira ia olhando as paisagens, e quando entrava na Avenida Dom Pedro I dava impressão de que estava num outro país, isso devido ao arvoredo existente na avenida, era uma calmaria, enfim, não tinha trânsito.

Descia do bonde, atravessava pro outro lado sentido cidade-bairro, adentrava no prédio, tomava o elevador. Não sei a razão, mas a cada andar que parava dava um frio na barriga, primeira vez que andava de elevador.

Cheguei ao 5º andar, toquei a campainha, logo chega o cliente, e ao abrir a porta do apartamento sentia no ar um cheirinho gostoso, era feijão temperado.

Entregando os garrafões, recebia uma boa gorjeta, dinheiro suficiente para ir ao Cine Anchieta, assistir a um filme e comprar um Drops Dulcora, sabor hortelã, e deixar um pouco pra minha genitora.

Não recordo o filme que passou nessa matinê, poderia ter sido “Gavião e a Flecha”, “Pirata do Rio Sangrento", ou "Saudades de um Pracinha", com o "rei do rock" Elvis Presley?

Primeira sessão encerrada, a movimentação dentro do cinema era uma loucura, todo mundo ia pro banheiro, e eu também. Deu o sinal que ia começar outra sessão, saí pela porta do lado direito onde ficava a enorme tela, eis que uma menina me pega desprevenido, tasca-me um beijo na boca e sai correndo pelo escurinho do cinema.

Saí atrás dela, mas como achar se não deu tempo de ver o rosto dela? Confesso que fiquei "a ver navios", que beijo gostoso, enfim, foi o meu primeiro beijo, no caso foi um beijo roubado, mas que foi bom, isso foi.

Toda vez que ia ao Cine Anchieta para assistir filmes esperava reencontrar a princesinha... Mas isso nunca mais aconteceu!

Tangerynus
Enviado por Tangerynus em 15/03/2011
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