A BELEZA DE MATAR

Sou, por princípio, formação e espírito, avessa ao ato de matar, seja por qual for a justificativa. Considero a pena de morte um absurdo ao qual sequer se pode dar designação. Não concordo que o Estado se dê ao direito de condenar alguém à cadeira elétrica. Cismei de um colega, professor, depois que me contou o fato de haver-se sentado em uma cadeira e, de pernas cruzadas, esperar o ladrão violentar a porta da casa para, então, fulminá-lo com dois ou três tiros. Nesse caso, considerei o colega muito pior que o ladrão, pois poderia gritar, de lá de dentro, que o atingiria, caso invadisse o seu domicílio. Ou chamasse a polícia e até se defendesse se os policiais não acorressem de imediato ao seu apelo. Acredito incondicionalmente que só Deus concede a vida e somente Ele pode dela nos privar. Para completar, acrescento que me disponho, inclusive, a salvar formigas que se metem em copos d’água.

Assistia hoje ao noticiário quando me chamou a atenção um relato sobre um assalto a uma farmácia, em Recife, onde a cena apresentada era a de um rapaz fazer de uma senhora, funcionária do estabelecimento, sua refém.

Havia policiais e curiosos esperando o desfecho do evento. Pode-se dizer que, realmente, ali ocorreu algo mais espetacular e melhor do que se pode encontrar em muitos filmes premiados com o Oscar.

O assaltante dominava a senhora, colocando-a de costas para ele, e segurando-a pelo pescoço quase como num golpe de gravata. Ela, atônita, fora de si devido ao estresse daquela situação que durou cerca de duas horas. Em seguida, o assaltante que me passou a sensação de ser inexperiente, obrigou a senhora a ajoelhar-se, puxou de uma lâmina, baixou a cabeça e, com a arma branca, ensaiou feri-la. Mas foi só o ensaio. Quem sabe seu coração tenha se compadecido daquela mulher que poderia ser da mesma idade e fisionomia de sua mãe.

No exato momento em que isto ocorreu, um atirador esperto percebeu a distração do assaltante, e, posicionado para atirar, na calçada da farmácia, pernas distanciadas, corpo ereto, braços esticados horizontalmente empunhando uma arma, atirou. O tiro varou o vidro da loja e atingiu o rapaz matando-o incontinenti.

Incontinenti também me tomou a emoção, lágrimas discretas apontaram em meus olhos e um sorriso me iluminou o rosto. Os policiais cumpriram os procedimentos de praxe para a retirada da mulher. E foi esta cena matematicamente perfeita, proporcionada por aquele jovem policial de muito tino e mira invejável, que me fez ver alguém que tira a vida à semelhança de um herói, um deus. E abriu as cortinas para que eu assistisse a um ato solene onde pude ver também a beleza de matar.

taniameneses
Enviado por taniameneses em 15/03/2011
Reeditado em 15/03/2011
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