SAUDADES DO MEU TIO NAZON

Nazio Felix de Freitas, era seu nome de batismo mas os parentes, amigos e conhecidos o chamavam simplesmente de “Nazon”. Era o penúltimo filho da minha inesquecível Vó Fela, duma penca de cinco, sendo quatro homens e apenas uma mulher, a minha mãe Flaviana.

Quando ainda garoto levou um tombaço durante um jogo de futebol, a popular “pelada” de todas as tardes, disputado no campinho de terra na cidade do Cedro, meu torrão natal, tendo conseqüências graves:- quebrou a espinha, parou de crescer e ganhou uma deformidade no tórax, aquele “peito de pombo” que alguns desafortunados como ele adquirem para o resto de suas vidas.

Tio Nazon ficou um homenzinho mirrado, de braços e pernas finas, baixinho, quase anão. Seu físico diminuto o impedia de executar trabalhos pesados e ele dedicou-se a ajudar minha avó nos serviços caseiros, cozinhando, lavando e passando roupas, caprichoso como ele era só.

Mas no sábado, logo após o almoço, Tio Nazon tomava seu banho, barbeava-se, envergava um terninho de brim alinhado, botava água de cheiro no corpo, brilhantina nos cabelos, sua camisa azul claro favorita, virava-se para Vó Fela e dizia:-

“- Dona Maria Felix, a casa está entregue. Vou jogar um truco com meus amigos, tomar uns goles e só volto de noite!” – e cascava fora, antes que sua mãe implicasse.

Tarde da noite enluarada, lá pelas vinte e duas, vinte e três horas lá vinha o Nazon bêbado e trôpego, abraçado à cintura do seu amigo Lipão, um crioulo enorme, subindo a rua de cascalho poeirenta e cantarolando:-

“- Por que bebes tanto assim, rapaz/Chega que já é demais/Se é por causa de mulher é bom parar/Porque nenhuma delas sabe amar ...”

Minha avó abria a porta da casa, dava-lhe alguns empurrões, ele procurava seu quarto e emborcava de vez, já quase roncando e buscando os braços de Morfeu. No domingo bem cedo ele já estava na cozinha, sério, fazendo o café, o cuz-cuz, os biscoitos de polvilho e botando a mesa junto aos doces cristalizados que Vó Fela fazia divinamente. Quanta saudade eu sinto desse tempo bom e inocente, no verdor dos meus onze, doze anos. Durante a semana, na parte da tarde, Tio Nazon levava-me pra pescar lambaris no corgão, apanhar frutinhas no pasto (araçá, cu de pinto, maria preta, grão de galo ...), armar arapucas pra pegar passarinhos, simples divertimentos que maravilhavam a minha mente infantil. “Xerife”, seu cãozinho ensinado por ele próprio, um vira-latas pequeno, preto malhado de branco, acompanhava e participava de tudo muito compenetrado, dando conotação de muita responsabilidade àqueles momentos mágicos.

O tempo passou, virei rapazinho, estudante em Belô, ia ao Cedro só durante as férias pra visitar os parentes, os primos, dançar nos bailes domingueiros e namorar bastante. Tio Nazon continuava na sua, chapando todas as pingas nos fins de semana com seus amigos jogadores de truco no Bar do Viçu e encrencando, na volta, já bêbado, com a minha Vó Fela.

Anos depois ele adoeceu, seu fígado não suportou mais e a cirrose tomou conta, jogando na cama meu tio favorito, ídolo da minha meninice. Eu passava uns dias no Cedro, saí pra jogar bola com os amigos numa tarde e, quando voltei, a casa estava cheia de gente, as comadres da minha avó, amigos, vizinhos e algumas pessoas choravam. Adentrei o quarto, tio Nazon agonizava deitado na sua caminha, com a cabeça no colo da sua mãe, Vó Fela, a qual chorava muito, olhos vermelhos, deixando de lado sua cara amarrada e o ar de contrariedade quando ele retornava do bar, embriagado. No seu colo, miudinho, gemendo e revirando os olhos, tio Nazon era simplesmente o seu filhinho aleijado, cujo “peito de pombo” arfava nos estertores da morte que rondava.

As comadres, no quarto, prorromperam em lágrimas adivinhando o final do quadro e eu, chorando copiosamente, retirei-me para o fundo do imenso quintal da vivenda, onde, sentado debaixo de um gigantesco pé de manga espada, revia as cenas, como num filme, dos nossos passeios pelos matos, as pescarias no corgão, a colheita das frutinhas, a colocação das arapucas e a presença sempre constante do “Xerife”, seu cãozinho amestrado.

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B.Hte., 15/03/11

Texto inspirado na crônica “UMA LÁGRIMA (A UM AMIGO)”, de autoria do ilustre amigo-poeta Roberto Leite, do Recife velho de guerra, um pernambucano de boa cepa, emérito contador de “causos”, a quem homenageio.

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 15/03/2011
Reeditado em 16/03/2011
Código do texto: T2849823
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