Por que escrever
Não mais que um
Em 1990, a escritora Hilda Hislt declarou-se a respeito dos leitores, críticos e editores que rotulavam sua obra como hermética e inatingível do ponto de vista comercial: “Eu me sinto uma tábua etrusca”, disse ela ao romper as amarras sociais de boa moça e enveredar por uma literatura que chocou a crítica e leitores mais comportados.
Hilda aprofundou-se no universo da consciência humana tanto explicada por Freud e que todos nós, por moralismo ou simplesmente por hipocrisia, deitamos de lado e pejorativamente classificamos como pornográfico.
A hercúlea coragem de Hilda a ascendeu a um sucesso consensual entre crítica e público. Para aqueles que não a entendiam, sua obra passou a ser visceral, quase um mito, enquanto que aqueles que a criticavam ou a apunhalaram de vez ou reconheceram a sua tarimba literária.
A atitude libertária de Hilda me levou a uma reflexão acerca de quem seria o leitor para meus escritos. Frente aos meus dissabores de crítica e nenhuma bem-aventurança comercial, pego-me a pensar se me encontro no mesmo patamar que ela, ou seja, se estou escrevendo em iídiche e não atendendo a ânsia dos leitores brasileiros, ou se sou um ser estrelado, com capacidade de criação surreal, tão a frente do meu tempo que não sou reconhecido pelos meus iguais.
Confesso que me intriga, e me causa até um certo pânico, reconhecer ou creditar uma característica, por menor que seja, a quem leria um texto meu. Ou melhor, de quem gostasse de ler um texto meu, mesmo porque um texto escrito é como prostituta de bordel: Se a forma e o visual interessarem, se tiver um assunto interessante, pode-se acreditar que vale a pena passar alguns minutos em sua companhia... e pagar para ver, literalmente.
Devo fazer o que o povo quer ou o que eu quero? Sabemos que atualmente a voz do povo não é exatamente a voz de Deus. Hoje, os vícios, as idéias, as opiniões, a alegria e a tristeza de uma nação são comandados por grandes mídias que ampliam seus tentáculos para todos os níveis da sociedade, focando sempre uma única idéia: Comprar, comprar e comprar, mais e mais. Um capitalismo selvagem ao extremo.
E eu aqui. Tentando definir um tipo de leitor para textos que nascem de uma idéia particular, de uma visão angular sobre um fato, um gesto, um gosto, um pecado; ganham pernas, mãos e braços, e tentam agarrar apaixonadamente quem estiver a sua frente. Mas apesar de ser tão grande é tão igualmente frágil, solitário e vergonhoso, e ao primeiro sinal de insatisfação desaba para dentro de uma gaveta fria e escura, o purgatório para quem tentou ser tudo num universo onde tudo é relativo.
E aí esta o dilema: Para quem eu escrevo? Para aquele que lê por gosto ou lê por esforço? Para aquele que é instruído e criativo ou é instruído para criar? Para aquele que me compreende ou não é compreendido? Não tenho e não sei quem seria o meu leitor.
Na minha mais pueril concepção sobre ser um escritor, acreditava que um livro meu seria lido por todas as pessoas do mundo. Agora eu entendo que isso jamais acontecerá. Isso porque eu ainda me encontro na mesma encruzilhada de Hilda Hislt: Metade quer ser feliz, fazer lançamento na Livraria Cultura e ser traduzido em doze idiomas; mas a outra metade que ser mais feliz ainda, encontrar um leitor, talvez apenas um mesmo, que me abra um sorriso e diga sinceramente: Gostei do que você escreveu!