Valsas pouco nobres e muito sentimentais

Muito mais tarde do que o previsto, a dança do casal principal se iniciou no centro da pista. Todos, observavam a felicidade convencional, que é de bom tom se ter em casamentos. A noiva, apesar de exausta, sorria como se tivesse acabado de acordar (em dias de bom humor). O noivo sorria, apesar de sentir no bolso, o peso de toda aquela festança.

A valsa de Strauss, num arranjo pavoroso de quarteto de cordas e saxofone, se desenvolvia, como que empurrado goela abaixo.

E os noivos deslizavam, mesmo com o calor insuportável, os sapatos que apertavam, e a vontade imensa de saírem correndo dali.

Durante o arrastar daquela música interminável, elementos, em diferentes pontos da cena, tiravam suas próprias conclusões, de como a vida os arrastou até ali. Observavam felizes ou remediados, revoltados ou indiferentes, a confirmação daquela união comum e mesmo assim, surpreendente.

No canto esquerdo da cena, abaixo dos arranjos florais, uma das damas de honra se afoga em champagne. Esta, imã da noiva, desejava veementemente a morte de sua irmã, que a privou do noivo que deveria ser dela. Uma lástima. Então, não serviu para nada ter se atirado várias vezes sobre sua cama, na calada da noite, e ter feito coisas inimagináveis, disponíveis apenas em certos filmes alemães. Sua irmã poderia até ter se casado com ele, mas certamente, era a ela a quem ele iria recorrer, quando terminasse aquela palhaçada da lua de mel. Questão de tempo. Enquanto isso, iria afogar seu amor frustrado em muito champagne e futuramente, numa lipoaspiração.

Perto da orquestra, o melhor amigo do noivo também se condoia da sorte de seu cúmplice. Foram amigos até aquele instante. Foram amigos quando atiraram aquele corpo rio abaixo. Foi um acidente. Estavam bêbados, mas aquela mulher não tinha nada que aparecer na estrada de madrugada.

Algumas amizades são celadas com amor. Outras com corpos subtraídos do convívio comum. Felizmente, nunca se chegou aos dois amigos, quando a polícia entrou no caso. Mas esta história serviu para que os dois se tornassem os irmãos que nunca tiveram. E agora? O que seria? Certamente, ele teria de se dedicar a filhos, às contas, e não haveria mais aquela velha amizade, que oculta corpos, que é solidário no porre. O melhor, era ir procurar outro amigo eterno.

E a valsa se arrastava ainda. E os noivos deslizavam. Como lesmas super rápidas. Ela com um vestido branco, como aquelas idiotas que se arrastam rumo ao desconhecido. Ele, como um pingüim abobalhado, que errou o caminho da migração, e veio dar em terras tropicais.

No alto da escada de mármore, o pai da noiva podia apenas sorrir. Não de felicidade. Mas de alívio. Finalmente, aquele fardo seria retirado de suas costas. Criar filhas mulheres não era fácil. Além de darem despesas muito altas, não tinham um retorno garantido. Pelo menos agora, não precisaria desviar seu dinheiro suado para aquele poço sem fundo. Não que o casamento não desse despesas. Mas era para um boa causa E ainda assim, poderia, poderia ampliar seus negócios, associando-se ao seu genro.

De fato, ele não gostava daquele cretino que havia casado com sua filha. Mas estando ela grávida, era melhor do que ter de sustentar, além dela, uma criança. Algo inimaginável na sua idade. Mas de qualquer forma, não confiava naquele almofadinha de cabelo lambido, que certamente apunhalaria a mãe por alguns trocados. Brindou a isso.

Sentada mesa a jovem amiga da noiva, se entope de salgadinhos, e observa por entre os convidados, o vestido branco que gira como um sonho. Um dia, ela também se casaria. Teria um noivo . Este, não precisaria nem gostar dela. Bastava que todos soubessem que ela estava se casando. E aí, seria uma pessoa normal, como todos. Até lá, iria se entupir de salgadinhos, chocolates, e toda sorte de porcaria.

No outro canto do salão, o padre já começava a perder sua paciência. Este era o sexto casamento da semana. Nada mais enfadonho. Quem dera pudesse tomar uns dois copos de whisky, para suportar aquele tédio. Mas o que as pessoas diriam. Se contentava graciosamente com o suco esquisito, que o garçon disse ser de umas tais frutas silvestres. Azar, se eram silvestres. Não davam barato nenhum.

Nesse meio tempo, as gêmeas olhavam atentamente os detalhes da festa. O corte feio do vestido da noiva, a manga do paletó mais curto que o outro do noivo, as flores que murchavam e os canapés mornos. Estavam ali para marcarem presença, e para exibirem suas roupas Prada. Porque se dependesse de refinamento e de celebridades no recinto, nem passariam por lá. Era isso que dava manter amizades de colégio. A noiva nunca foi popular, mas por pena, as gêmeas a acolheram. Mas nem assim, ela se dispôs a mudar seus cortes de cabelo e, heresia das heresias, não gostava do “Barrados no Baile”. Mas tudo bem. Agora que estava casada, não as procuraria mais. E as gêmeas foram embora, odiando tudo, e pensando em vomitar. Afinal, haviam comido um blinis. E isso poderia render centenas de abdominais. Gentinha....

A valsa parecia não acabar nunca. O desconforto era geral. Que graça tem ver dois patetas rodopiandop pelo salão, como se sofressem de alguma doença degenerativa do cérebro....

A mãe da noiva chorava. Perdera a filha. Para sempre. Agora deveria procurar outra preocupação na vida. Talvez violetas ou orquídeas. Sim, orquídeas. Dão mais trabalho. Nada é mais triste que ver a filha indo embora. Nada é mais triste....Restaram as orquídeas. E haja lágrimas.

O Irmão do noivo não ouvia a valsa horrenda. Tinha um fone atolado no ouvido, onde ouvia a música “I wanna be sadeted”. Nada mais propício. E enquanto isso, fazia charme para o garçon. E seu irmão pediu desesperadamente que não o fizesse passar vergonha. Tarde demais. O garçon aceitou o convite....

Finalmente, a valsa acabou. Aplausos. De alívio. O DJ colocou o som do Chemical Brothers. Aí, a festa voltou ao normal.

Mais tarde, a noiva já estava descalça, dançando como louca, e o noivo, passando algum papel para a irmã da noiva. E os convidados foram se embebedando, comendo, fumando, como em toda festa que se preze. Até que no outro dia, restava apenas o faxineiro. Limpava toda a sujeira que gente requintada é capaz de produzir. E assobiava uma música que diz mais ou menos isso: “Quem não tem colírio, usa óculos escuros...”.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 07/11/2006
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