GUBBIO, a cidade de pedra



       Eles desceram do ônibus cheios de animosidade, ruidosos, quando avistaram o imenso Teatro Romano. Um tanto irrequietos devido ao frio de -2º , os alunos se acomodaram sobre as ruínas de tempos remotos. O guia postou-se à frente, no memorável palco e pronunciou:
       - Bem-vindos! Estamos em Gubbio a 200 km de Roma. Nesta terra onde pisamos, foram encontrados sinais de vida de aproximadamente trezentos mil anos atrás!... (Hummmm!...ouviu-se geral) – Segundo estudiosos foram achados utensílios como facas e cerâmicas nesse primeiro sítio de vida social habitado na Itália pelos homens das cavernas, os trogloditas... (fez uma pausa) – Eles construíram muros de contenção de encostas e uns aterramentos rupestres (a strapiombo) que chamamos de “Il Cancelliere”, muros de pedra pré-histórica que também serviam de proteção contra invasores e animais ferozes, e são preservados até hoje. - Câmeras foram disparando seus flashes... gente fazendo poses... alunos registrando tudo. O grupo tinha vindo de manhãzinha, esbaforido da sede de saber que contamina os estudantes dos intercâmbios.
       Seguiram atravessando a Porta Castello e foram ao Palazzo Capitano Del Popolo: – Como vocês podem perceber, esta é uma cidade de pedra, muitas construções são seculares e remontam aos séculos XIV e XV – foi lhes ensinando o guia – Ali na fachada está incrustado “Il Pietrone” que simboliza o Sepulcro de Cristo, neste Palazzo que remonta ao século XII.
Umas moças foram se espelhar no pequeno riacho que corria ao lado. – Uau! Vamos atravessar a ponte medieval!! – exclamou Anete bem faceira. E foram dar um passeio pela antiga e rara construção.
       O grupo pegou um atalho, e subindo uma ladeira chegaram ao Largo em frente ao Palazzo Del Bargello. Ali se encontra a Fonte dei Matti, ou seja, a Fonte dos Loucos.
       - Atenção!... disse o guia com urgência na voz – Se alguém quiser ficar louco dê três voltas ao redor desta fonte... é tiro e queda... sem volta!... dizem as lendas daqui...
       - Tu tá louco, cara?! – exclamou Beppe pro amigo Cesar que já dera duas voltas ao redor dela. – Te internamos aqui mesmo!... O amigo ria entretendo-se...
       Foram seguindo até a Pinacoteca Cívica e formaram um círculo: - Meus amigos, já no primeiro milênio antes de Cristo despontava a civilização e a cultura de Gubbio, esta agradável cidade. – Carlo fazia gestos expressivos de admiração – O maior monumento daqui são as “Távole Eugubine”: um conjunto de sete tábuas de bronze; inscritas nelas está o alfabeto umbro, que deriva dos etruscos. Estes escritos remontam supostamente ao séc. III a. C. Também estão aqui moedas umbras (séc.V a.C) e antiquissimos sarcófagos romanos, muito valiosos. – aí, eles entraram para apreciarem tais relíquias. 
       Na Chiesa di San Pietro, cuja construção iniciou-se no séc.VIII, admiraram a mescla de arquitetura bizantina, longobarda e também romana, e uma das suas preciosidades: um monumental órgão musical original esculpido por Antonio e Giovanni Maffei. Os músicos Ivo e Selina demoraram-se apreciando o belo instrumento musical, feito de centenas de canos de metal. Ali perto, numa subida de pedra surgiu uma pizzaria! - Gente!... uma pizzaria!... – Silvia chamou a todos... E foram pra lá a fim de saborear a iguaria italiana de hoje e sempre.
       Seguiram adiante, na esquina com a Piazza Bosone, avistaram o Palazzo Doria Pamphili. Logo mais, chegaram a Igreja de S.Martino e S.Domenico, esta construída em 1186, em honra à S.Martino. Sua fachada renascentista continua incompleta até hoje... que pena!
       Visitaram a Igreja de S.Francesco com três naves góticas, construída no séc.XIII; logo à frente do interessante Palazzo Ducale admiraram o belíssimo Duomo. Esta grande catedral conserva a refinada arte barroca e seus arcos góticos originais (sec.XIII). Depois, todos tomaram um pouco de sol à frente do Palazzo Dei Consoli... este cheio de afrescos maravilhosos, relicários preciosos, pinturas únicas e inscrições medievais. A bela arquitetura gótica permeia todas as construções da cidade.
       Logo depois, dirigiram-se ao outro lado da cidade até a Torre de Porta Romana. Carlo lhes falou que ali se encontram obras resplandecentes de Mastro Giorgio Andreoli. Na sua coleção de obras de metais estão espadas, armaduras, malhas de ferro, alabastros e... cintos de castidade... usados na época de 1500... (um riso malicioso percorreu os olhares do grupo)... Este grande artista é considerado o mais brilhante ceramista da Renascença, morreu em 1555.
Um grupo foi se dirigindo à funivia. Ventavam uns ares gélidos. Fátima e Silvia ao verem aquela gaiola aberta decidiram subir pela estreita via que subia até o topo da colina. Beppe também se juntou: – Subir pela funivia?...Frio demais lá... demais! 
         Passando pela antiqüíssima Porta S.Ubaldo e S.Angelo, foram caminhando. Pinheiros e ciprestes adornavam toda a subida em zigue-zague, tornando o visual mais espetacular, embora, o frio subisse do chão de terra penetrante até a medula. No topo, Fátima abraçou Carlo: - Me esquenta um pouco... – disse trêmula de tanto frio. Os pés lhe doíam muito, gelados nos sapatos de plástico. Logo depois, chegou Silvia no topo do morro, e foram entrando numa igreja milenar: a Basílica de S.Ubaldo. O grupo de estudantes estava disperso pelos bancos e laterais da nave, em meio à missa que estava sendo celebrada. Silvia se encostou numa pilastra e arregalou os olhos: - Hãã...É uma missa fúnebre! – exclamou – O homem se passou!... Uns fiéis lhe lançaram olhos de reprovação.
       – Fale baixo! – disse Fátima - É o santo!... San Ubaldo!
Perplexa, Silvia se fixou na urna neogótica em cujo interior, intacto, jazia imóvel o santo, morto em 1160... Isso mesmo: século XII ! Surpreendente! Fizeram umas orações e saíram. Todos ficaram atônitos com a forte presença do Santo, luz daquele povo.
       Deram-se conta do horário tardio, era preciso voltar...e foram descendo a colina. Fátima os seguiu de perto, preocupada. Silvia ficou pra trás. – Esperem por mim! – lhes gritou – São cinco horas!... vamos se apresse! – respondeu Cesar.
       No ônibus, Carlo recebia a todos, e os contou - Está faltando um!... Já passam das cinco horas!! Quem ficou?... (um zum-zum geral) - A senhora Silvia! Não é possível!? – Carlo meneava a cabeça, inconformado.
Uns alunos relatavam entusiasmados: - Gostei de conhecer a igreja bizantina della Vittorina, a mais antiga de Gubbio – disse Armando - Bizantina!... incrível!
        - Alguém, por favor, vai procurar a Sra. Silvia - pediu o guia aborrecido. (uma meia dúzia saiu à procura dela).
Armando continuou: - Passeamos também pela Porta Vittoria, pelo Mausoleo 40 Martiri e Mausoleo Romano, pela Igreja Madonna Del Prato... assim, num passo apressado deu de visitar todas essas maravilhas. O grupo esperou mais trinta minutos. Por fim, apareceu num passo cadenciado a aluna perdida – Não avisei pra todos chegarem às cinco horas?... – perguntou Carlo muito nervoso.
       - Ah... desculpe, tinha que achar imãs de lembranças... e custei a achar um pra todos - disse a mulher sorrindo, sem sombra de culpa.
       - Ma... dai ... vamos embora!



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                                                                                          Foto: Izabella Pavesi
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   Texto publicado na Revista INSIEME  de abril.2011, em português e italiano.