Nada mudou
Olhando o líquen que brotou nos dias chuvosos, abro o chiclete, começo a mascar, enrolo o papelzinho, pego o livro de geografia, tento ler o ponto sobre -depressões e formas de relevo- fecho, abro o caderno, anoto qualquer coisa e, discretamente, fecho, novamente, e fico no banquinho a pensar. É triste. Ainda assim vale a pena estar ali, pois como diz meu pai, “tudo concorre para uma realização maior”. A chuva fininha faz que vai, faz que vem. Algumas pessoas varrem, alguns esperam a hora certa para iniciar seus afazeres diários e, paralelamente, chegam outros com cara de mortos vivos, pois é hora de voltar e se houvesse uma despedida, talvez não seria tão triste. Depois de dias, nada mudou, ou se mudou, não foi ali.
Caminho, ou fico a esperar que outros me levem? A dúvida em estar ali é grande. Não sei mais se devo, ou não devo seguir. Pois o mundo já não é o mesmo, pois enquanto eu estava fora, mudou tudo, será que mudou? Minha cabeça já não é mais a mesma. O tempo passou e tudo que eu pensava saber, já não vale muito. Alguns amigos foram-se, os sonhos, nem falo mais.
Diante de tanta incerteza, de tanta angústia recordo-me das palavras do Rei: "de que vale tudo isso... que só me deixa triste e sem vontade de viver, sei que tanta coisa boa existe e eu aqui tão triste... Se eu ficar aqui pensando, sou capaz de enlouquecer!" Talvez seria melhor, partir, pois dizer adeus não pode doer mais que esta tristeza.
Tenho vontades e ainda que vivendo em um cenário áspero. Minha vida rompe barreiras e mostra que ainda existe esperança, como vejo no pequeno líquen, que em breve será arrancado, depois de dias chuvosos, e que mesmo com uma vida tão curta, cumpriu o seu importante papel no ciclo natural do planeta.
Então, me levanto, pego o papelzinho, o chiclete velho e sem gosto, enrolo-os e jogo na lixeira. Caminho para meu destino, pois mesmo com intervenções militares da Líbia e desastres no Japão, eu tenho que romper o concreto e viver, até quando, eu não sei.