Assombrações que colam
A primeira coisa que deveríamos aprender na vida é não dar ouvidos ao que nos falam, sem uma boa reflexão.
O perigo é maior quando somos bem jovens e de alguma forma mais impressionáveis.
Uma das primeiras noções que tive foi a noção do inferno, que ninguém sabe onde fica e também ninguém viu! As pessoas sendo queimadas vivas pela eternidade. Mas como isso me impressionou! Só me livrei dessa carga pesada muito tempo depois .
Nem vou contar aquelas crendices familiares: manga com leite faz mal e outros quejandos. E que colam nas nossas mentes.
Até um simples sotaque já me impressionou. Morando um ano na aprazível cidade mineira de Caxambu, voltei para o Rio com aquela pronúncia do r retroflexo. O r de americano, morou? - Por favorrr, me dá o gaufo, mais ou menos desse jeito. Um português próximo do paulista do interior. Passei a ser atração da molecada de rua, mas bastou mais ou menos um ano de convivência com os cariocas e perdi naturalmente o sotaque mineiro da região de Caxambu, pois em outras regiões, o que se destaca é a pronúncia mineira e correta da letra s, por sinal muito bonita.
Hein? Pois é, fiquei impregnado do carioquês. Nem tudo é perfeito, não é mesmo, mermão!
Voltando às minhas colações mentais: passei trinta anos acreditando no misticismo hindu e pensando seriamente em atingir o nirvana, dissolvendo meu querido eu no nada . Como esta noção nirvanesca atrapalhou a minha vidinha cotidiana!
Já ia me esquecendo: acreditava também, porque um antigo filósofo recomendou, que só se podia filosofar na língua alemã. Mais uma que colou: afinal, Goethe é uma unanimidade na Alemanha.
Agora, na terceira idade, depois de muito esforço e até sofrimento, me liberto de tudo isso.
O renomado crítico literário José Castelo nos diz que “ler um poema é deixar-se impregnar por seus versos. Aceitar as facadas que ele nos impõe”. Mais adiante ele enfatiza que grandes poemas grudam nele. Esse pensamento me remete àquele dito popular de que certas leis, no Brasil, colam e outras não.
Mas a turma não sossega, querem sempre nos “emprenhar pelos ouvidos”. Não é que apareceu um intelectual da pesada, que quase novamente me impressiona, tendo vivido muito tempo na Alemanha, e coisa e tal, dizendo umas e outras... É - isso mesmo- a língua dos filósofos , com aquele sotaque bem arranhado.
“Azzz áftasssss arrrdeeemm e doeeeemmmmm e como doeeemmmmmm”.
Pois é, advinhem o que ele disse! - Que a língua alemã é o idioma da ternura!
Com todo o carinho que tenho pelo meu melhor amigo de infância, desde a tenra idade dos sete anos, o Sylvio, filho de alemães, penso comigo mesmo: “passei da idade para acreditar em tudo que me falam”.
Minha antiga alma impressionável, vacila!
Então, como bom brasileiro, uso o recurso terapêutico da música para me livrar de vez dessa tentação de acreditar. Com um sorriso maroto nos lábios, penso: - Tá pensando o quê, essa ideia não cola em mim. Afasto a assombração pra longe, cantarolando o antigo refrão do Salgueiro: "Ô lê,lê, ô lá, lá, pega no ganzê, pega no ganzá". Ergo-me da minha cadeira, olho o céu azul, e num repinique mental, concluo triunfante: agora, só aceito punhaladas da poesia, e olhe lá!