Calado

Sentado num boteco, vejo o Sol da manhã atravessar a vidraça ao meu lado reluzir no copo à minha frente. Meus cotovelos repousam na mesa, minhas costas arqueadas, meus ombros ligeiramente projetados para frente, minhas mãos juntas e os dedos entrelaçados, traçando uma malha de unhas e pele. Os dedos da mulher ao meu lado correm meu braço nu, para que em seguida sua mão repouse sobre meu ombro, a outra envolve meu antebraço. Ela toca meu braço com os lábios, e ergue os olhos carregados de preocupação para mim, para depois perguntar-me:

- O quê tanto te preocupa?

Viro meu rosto, com uma irritante falta de pressa, encaro seu olhar por um longo instante para então desviar-me dele. Separo minhas mãos, a palma de uma absorve o frio do mármore ao mesmo tempo em que a outra acena para o oriental que mal se ergue atrás do balcão, pedindo outra cerveja. Ouço-a suspirar à minha direita, enquanto a bebida terminada é substituída por uma nova. Sorrio para o homenzinho que realiza a troca, vejo o casco vazio em sua mão, vejo o triste reflexo do que sou nele, me despeço mentalmente de meu par de vidro antes que ele seja depositado num engradado empoeirado. Penso que talvez eu merecesse acomodações iguais. Ainda sinto sua mão logo acima do meu pulso enquanto alcanço a garrafa recém chegada e encho o copo que seguro com a canhota; emborco o líquido num gole, e torno a enchê-lo. Ela corre minhas costas com a mão, trocando o ombro em que sua mão encontra leito, num abraço carinhoso. Sinto seus cabelos dançarem macios no braço atado ao ombro em que ela encosta sua cabeça, seu cheiro acaricia minhas narinas. Ela torna a falar:

-Sabe que você pode me contar qualquer coisa né?

Desta vez não me viro em sua direção, apenas volto a beber e seguro o copo com as duas mãos, como um menino no inverno tentando sorver o calor que exala da caneca de chocolate quente; com a cabeça baixa, ergo os olhos para a rua. As pessoas caminham, os carros soltam fumaça, buzinas e vozes se amalgamam numa desagradável cacofonia; eu bebo e carrego o fardo de ser quem sou. A moça se remexe inquieta, meio que bufa, agora, sem mover um músculo, viro meus olhos para ela, irritado. Sinto o frio que toma o lugar do calor que o corpo dela, encostado no meu, transmitia. Sua voz soa um tanto triste, outro tanto raivosa, um tom ao qual acabei por me acostumar:

-Se for assim eu vou embora, e você pode me esquecer.

Toco a pedrinha que pende num cordão preso ao meu pescoço, presente de outra garota, faço-a rolar em meus dedos enquanto minha mente divaga. Penso naquela que me presenteou, nos sentimentos e momentos que compartilhamos, um deveras semelhante a este. Ouço a cadeira ao meu lado se arrastar, o breve eco que suas botas fazem indo ao encontrar com força o chão sujo, palavras que não entendo lançadas com voz que soluça. Sinto seu perfume, que mesclado ao suor de seu corpo cria uma deliciosa fragrância, mais que tudo, sinto sua falta enquanto vejo-a indo. Vejo uma gota brilhando no lado da mesa que pertencia a ela, tenho certeza que se a tocasse com a ponta do dedo, e a levasse até a ponta da língua, sentiria sua tristeza. Instantes depois, seu calor se esvai, seu aroma vai-se com o vento, sua lágrima evapora.

Queria que ela soubesse, que depois de tantas vezes, tornou-se impossível repetir “Te amo, mas você merece coisa muito melhor.”, e que não há sinônimos para estas palavras, fora o silêncio.

Aceno para o homenzinho de avental, de olhos puxados, sinalizando para que me traga outra.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 13/03/2011
Código do texto: T2845342
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