Astrud Gilberto e o melômano
Estou feliz porque acabo de receber elogio acompanhado de presente musical. Trata-se de um bom e velho disco de vinil. Um LP de época da fantástica Astrud Gilberto. Grande felicidade porque amanhecer ouvindo-a é como pisar no chão de nuvens. Felicidade tão doce quanto suave é a sua melodia. Através do disco convertido em pendrive poderei desfrutar da linda voz quando quiser em qu Ontem dialoguei com um ser vivo que não gosta de música. Foi a primeira vez que conheci alguém que não admite sequer uma musiquinha no decorrer dos dias. Sua vida auditiva se limita aos carros. Fez questão de acrescentar que também não vê graça nenhuma no canto dos pássaros. Não via nem ouvia nada nas representações subjetivas. Para melômano tais revelações são surpreendentes. Além de insensível à voz de Gal, Elis, Nana Caymmi revelou para meu incomensurável espanto, ignorância completa sobre instrumentos musicais.
Nunca havia ouvido falar em cuíca, reco-reco. Riu-se me impingindo a mofa de Senhor Cuíca. Acabei perdoando porque existe gente que nunca ouviu falar em sertão.
Naturalmente existem aquelas criaturas indiferentes ao sensualismo das cores vivas de um Portinari ou Salvador Dali. Apáticos. Ao contrário dos exagerados dispostos a chorar diante deles. Existem os impassíveis implacáveis.
Sem exageros fechar os olhos para uma obra-prima significa se postar acima dela, estando abaixo da linha possível de admiração. Conheço daltônicos que admiram quadros famosos por razões particulares, independentes de certos tons. Permanece a força dramática das linhas e formas. Com a música ocorre a mesma coisa até surgir o insensível implacável.
Melômano é todo aquele que nunca esqueceu os primeiros efeitos ninados da existência e continua perseverando na delicada busca. Encontra sempre efeito assim como drogado que se entrega ao prazer mental da sua experimentação. Por sorte os melômanos ainda não estão sendo perseguidos, nem nenhum partido político misturou-os com outras fatalidades como andam fazendo. Por sorte o melômano ainda não foi catalogado como débil.
A doce Astrud nunca nacionalmente reverenciada pela maioria dói na sensibilidade surda. Muita coisa excelente neste país é meramente visualizada. As grandes coisas deste nosso rico Brasil estão distante da pauta dominante. Há manipulação de prestígio em busca da mina de ouro do sucesso. Portanto, sucesso é fenômeno altamente restritivo. Ela aparece pouco. Talvez apareça mais vezes na TV se a televisão lesse este humilde artigo de amor musical. Espacialmente genial como o pai João Gilberto sendo uma voz esplêndida merecedora de algo especial. Dou-lhe o Prêmio Nobilita inventado na imaginação para Astrud Gilberto.