Palavras não vêm facilmente

Não conseguia mais fingir a mascara de fortaleza inabalável, que normalmente ostentava na frente de todos, para poder ter seu ar de arrogância e superioridade costumeiro. Seu corpo já não funcionava como em outrora, pois estava quase impossível dizer onde cada órgão se localizava e tinha uma certeza, quase que fiel, que todos eles haviam se fundido, tendo em vista sua perda de consistência do mal estar. Nunca tinha lido o Mágico de OZ, porém certa vez haviam lhe contado a historia do homem de lata. Como aquele ser podia ter sido tão estúpido, ao ponto de pedir para o mago um coração. Tudo bem que o mago não lhe deu um, pois ele já o tinha, porém a tomada de consciência seria o problema futuro, e com certeza, em um prazo de seis meses ele iria se arrepender, mas já seria tarde de mais, e a situação já estaria irremediável. Coração, órgão humano historicamente responsabilizado pelas tormentas emocionais, mas que em sua opinião era apenas uma espécie de sindicalista, um fogueteiro grevista, que fazia com que todos os outros órgãos se revoltassem e se fundissem para produzir o mal estar. Mas no ponto em que se encontrava, não adiantava encontrar culpados. As horas passavam e o sentimento de incomodo só aumentava, tinham combinado de se encontrar as vinte horas, e já contabilizava um atraso de quinze minutos. Quinze minutos de ensaio, para quem tinha passado dois dias, não representava nem a preparação para o epílogo. No ensaio, assim como em uma seção de psicodrama, tinha conseguido falar tudo sem pestanejar nem mudar as palavras para sinónimos eufêmicos. O atraso já se contabilizava em vinte minutos, tempo inadmissível, mesmo que estivessem em período chuvoso. Será que havia se arrependido? Iria esperar fechar a meia hora de atraso, para poder ir embora. Ao longe, mesmo sem óculos, pode notar, não pela silhueta, mas pela maneira como andava, que a pessoa tão esperada enfim chegara. À distância em que se encontravam ainda lhe proporcionaria mais alguns minutos de decisão combustiva. Na hora da escolha tudo se tornava mais confuso e perturbador, e todas as certezas se diluíam em pensamentos ondulados que colocavam em prova a lógica tão certa. A Lei da relatividade estava contra seus pensamentos, e em algumas passos, os dois olhares iriam se cruzar. Nunca tinha sido seu forte se arrepender de escolhas feitas com muita reflexão, mas se a certeza ainda não era forte o suficiente, para se consolidar na presença do outro, admitir e aceitar a queda de sua arrogância era o melhor a ser feito. Antes que os passos que permitissem a decisão fossem recolhidos a zero, virou-se bruscamente e foi o mais rápido possível, sem olhar para traz, em direção a multidão, pois, assim, iria se diluir e ser apenas mais um. Tudo foi tão rápido que só quando realizou todas as ações, foi que o cérebro, agora um pouco mais calmo e duas vezes mais confuso, concebeu o que acabara de ordenar para o resto do corpo. O mal estar tinha se acalmado, por pouco tempo, e sabia que quando toda aquela adrenalina fosse metabolizada pelo corpo, ele iria voltar. Tinhas as desculpas necessárias, e as mentiras programadas para se defender de sua ausência do encontro, e isso lhe proporcionava um conforto mínimo, para mais um dia de pensamento.

Eduardo Bruno
Enviado por Eduardo Bruno em 12/03/2011
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