A PRIMEIRA BONECA

Tem coisas que simplesmente não esquecemos: o primeiro dia de aula, a primeira professora, o primeiro brinquedo. Não me refiro ao chocalho ou brinquedo de morder que lhe forneceram quando ainda era bebê. Mas sim àquele brinquedo, que você tanto pediu, tanto sonhou e que um dia conseguiu. E como a natureza humana aprende desde cedo a valorizar o que vem de forma difícil, este passou a ser o primeiro brinquedo dentre todos.

O que é difícil de se conquistar sobrevive ao tempo, nem que seja na nossa memória. Eis que o tal brinquedo sobreviveu ao passar dos anos e chegou intacto ao presente. O significado que tinha na infância desapareceu, como a inocência do mundo infantil desaparece quando chegamos na fase adulta. Mas aquela boneca sempre foi especial, pela sua elegância e principalmente pelas milhares de lembranças que trouxe junto com ela.

Mas como tudo tem um final, com ela não poderia ser diferente. O certo é que chegou o dia de abrir o guarda-roupa e tirar ela pra fora. Na dúvida do que fazer, deixo ela fora com a intenção de lavar, porque é claro, ela esta suja. E se a nossa infância há muito tempo terminou, a de alguém está apenas começando. No dia seguinte tenho a agradável surpresa de saber que a minha priminha de três anos está encantada com a boneca. Mas a surpresa está exatamente em ver que a boneca que sobreviveu dezoito anos, ficou quebrada em apenas dezoito segundos. De repente sai de mim, gritei com a menina com se fosse adulta e tivesse cometido um crime. O arrependimento veio tão subitamente como desapareceu o momento de fúria. Agora tinha que fazer as pazes com a garotinha e principalmente com os pais dela, que certamente ficaram muito magoados.

Eis que abro novamente o guarda roupa. Tiro duas bonecas. Uma é quase do tamanho dela. Está decidido, amanhã a presentearei. Ela nem se lembrava mais o porquê de tanto presente, ficou felicíssima e levou o meu passado embora. Talvez ela não cuide tão bem para que a boneca viva mais dezoito anos. Afinal valorizamos aquilo que conseguimos com a força de nosso desejo e não com o desejo dos outros.

Na verdade o valor que agregamos as coisas é importante apenas para nós. Minha mãe relutou um pouco, deixou a boneca no sofá, mas não a ofereceu prontamente. No final do dia questionei se ela havia ficado chateada e porque não tinha impedido. Não ficou chateada, ficou feliz. O sentimento era outro. A pobreza nunca lhe permitiu ter uma boneca na infância. Ela também brincou ao me ver brincar. De certa forma a minha boneca também tinha sido dela. E mais importante do que um desejo que foi difícil se concretizar, é um desejo que nunca se tornou realidade.

Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 12/03/2011
Reeditado em 27/10/2011
Código do texto: T2843273
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