UM HOMEM CHAMADO JASON

SANTA MARIA DA VITÓRIA.

Jason era aquela espécie de pessoa que todos davam um boi para não desafiá-lo e uma boiada para não ser um desafeto dele. Uma pessoa bastante temida na sua juventude, principalmente pelos beberrões de botequins.

Certa vez nós estávamos brincando na Rua Professora Rosa Oliveira Magalhães e em um determinado intervalo das brincadeiras, passou por nós um senhor apenas trajando uma calça de algodão, destas cujo tecido era de fabricação de linhas de rodas de fiar, descalço e com o rosto todo ensanguentado.

O senhor estava se dirigindo à delegacia da cidade para dar parte de alguém que o havia agredido. Na verdade o que houve foi uma briga em um boteco na saída para a cidade de Correntina e o pobre senhor, mediante a juventude do Jason, acabou levando a pior na contenda.

Como mencionado acima, realmente o Jason era por demais, bastante temido pelas pessoas da cidade. Acontece que, como se dizia em um poema, os brutos também amam, Jason se apaixonou por uma ex-aluna do colégio de Dona Rosa, coincidentemente com o nome de Rosa, enamorou-se dela e acabou sendo laçado pelo casamento.

A partir deste fato, Jason deixou todas aquelas maluquices da juventude no passado e se transformou em um cidadão normal como qualquer cidadão normal, bom pai e bom marido. Montou o seu escritório de contabilidade na cidade, numa das dependências da casa de Gildésio, amealhou uma grande quantidade de clientes, afinal de contas era um contador muito competente.

Uma vez a minha patroa me enviou ao escritório do Jason para saber o real motivo de ele ter devolvido os livros contábeis. Fui com o pé atrás morrendo de receio da resposta dele. Eu esperava uma resposta brava, desaforada, mas para minha surpresa o Jason foi muito gentil e educado para comigo, explicando que o escritório estava em reforma e por isso havia enviado os livros para guarda provisória até o termino da mesma.

Às vezes quando resolvia invernar na caninha, as pessoas tomavam todo o cuidado possível para não contrariá-lo. Neste período de invernação, ele às vezes resolvia ir até o Centro Educacional Santa - Mariense para assistir as aulas na porta da sala onde a esposa dele estudava, segundo nos contou o nosso saudoso Jaiminho que neste ínterim os alunos e colegas da Rosa muito receosos, tomavam todo o cuidado para não ficarem conversando com a colega, neste caso a esposa do Jason.

Um dia no ido ano de 1974, às seis horas da manhã, a nossa turma do colégio Popular Oliveira Magalhães estava na quadra Francisco Alves, o popular Chiquinho da Almasa, aguardando a chegada do professor de educação física para iniciar a aula.

Como é normal em uma turma de marmanjos estudantes, enquanto o professor não chegava, batíamos grandes papos fazendo grandes algazarras contando piadas, falando de futebol e de assuntos para passar o tempo. De repente, de uma casa ao lado da quadra, um senhor de pijama listrado abre a porta e solta a maior bronca contra a nossa turma, com o seu vozeirão de FM: eu tenho o direito ao silêncio até às oito horas da manhã! Berrou. Imaginem vocês que todos nós ficamos temporariamente emudecidos, pois, para a nossa surpresa, o senhor trajando pijamas era o famoso outrora temível Jason, que estava possesso pela algazarra que fazíamos, interrompendo o seus sono no recesso do seu lar.

- Se quer silêncio, que vá morar no cemitério! Respondeu Josélio, com a voz um tanto quanto branda, disfarçada, quase silenciosa! Mas não contava com a boa audição do interlocutor com cara de bravo e sono.

- Esse machão que falou, tem coragem de repetir novamente o que disse? Perguntou Jason, com o tom de voz, alterado.

Silêncio total na multidão. Se não fossem as batidas dos nossos corações e o barulho das nossas respirações, certamente ouviríamos os passos das formigas na relva molhada pelo orvalho da manhã; idem o cantar dos pássaros. Não houve um macho no meio de nós que tivesse a coragem de repetir, o que o nosso colega Josélio havia dito. Não é porque éramos covardes não, longe disto! Nós éramos machos até o estremo da terra, na medida do possível e de acordo com o contexto.

Éramos aqueles tipos de machos, cujo bom senso determinava que ficássemos politicamente calados, e nós fomos totalmente obedientes ao mandamento: manda quem pode e obedece quem tem juízo. Até o professor de educação física Tutes, apoiou a nossa atitude de permanecermos calados e acabou mudando as aulas de educação física da quadra para outro local.

Não era por medo do Jason; era por total respeito a ele. O pai do professor, Seu Nelson Araújo tinha um bom relacionamento com o temido Jason, e como todos conheciam o seu histórico do passado, a prudência em não contrariá-lo falou mais alto. Será? Garanto de pés juntos que não era medo de nenhum de nós em contrariar o Jason. Era apenas um leve e gigantesco receio.

O Jason aparentemente tão temido por todos, na verdade era uma pessoa dócil e afável. Inúmeras vezes eu estive em seu escritório acompanhado de Antônio Rosinha e Bochecha, que trabalhava no escritório de Jason contando várias piadas do Pasquim e dando risadas a dar por quatro; também falávamos de política, de ditadura, de anistia etc. No fundo como já mencionei, o Jason era uma daquelas pessoas que jamais deveriam ser apagadas das nossas memórias, gente da nossa gente.

Lembro-me bem que em um determinado período em Santa Maria da Vitória, Jason também foi locutor de serviços de auto falante e uma das frases marcantes que ele sempre falava era esta: Santa Maria da Vitória, a cidade que mais cresce no sudoeste baiano.

Em uma tarde de tempo nublado em Santa Maria da Vitória, o simpático Pedro Almeida dirigindo sua Aero Willis de cor cinza em alta velocidade, em pleno Jardim Jacaré, já de frente ao Banco do Brasil, vindo das bandas do Mercado Municipal, não conseguindo frear a tempo, acabou batendo o seu veículo contra o caminhão do Zé Trindade, que vinha da Rua Ruy Barbosa procedente da estrada de Correntina em sentido à beira do rio. Zé Trindade era um tradicional caminhoneiro da região e que nervoso virou-se para Pedro Almeida e disse:- Só não te mato Pedro, porquê o conheço há muito tempo.

- Não tive culpa Zé, o freio falhou no calçamento molhado, respondeu Pedro Almeida, vermelho igual a um tomate maduro, recém-colhido do pé.

Sabe quem apaziguou os ânimos dos dois motorista envolvidos no acidente e pequeno entrevero? Foi o Jason que a tudo assistiu do seu escritório e foi o mediador do conflito. Já pensou se fosse no passado quando o Jason era temido por todos? Talvez o Jason colocasse fogo na fogueira! Não sei. Só sei que ele foi uma das pessoas medida que eu o fui conhecendo, o admirava na mesma proporção.

Há , vale ressaltar que eu não fui a única testemunha ocular dos fatos! Cesinha, Paulo (Cesar Cerqueira) e Titinho ( Tito Gardel) ambos estavam sentados em um dos bancos da esquina de frente ao Banco do Brasil também testemunharam este fato. Os dois estavam tocando flauta doce ou tentando tocar alguma coisa. Eu estava passando na hora e lembro de ambos conversando e dando risadas sobre o incidente, inclusive do Jason fazendo a perícia.

É o que há.