Ipê
Guardo em minha memória uma rua esquecível.
O único motivo de não jogá-la no aterro do esquecimento é aquela longa árvore em frente á minha casa.
Árvore carrancuda, cemitério de algumas pipas.
Mas carrancuda só até maio.
Daí em diante ela se transformava em vida.
Rosava-se e a rua Comendador Farias virava a rua do Ipê.
Numa cidade rasteira aquele era o nosso arranha-céu, motivo de orgulho de muitos moradores.
Meu não. Menino arteiro, só o que eu queria era escalá-lo e resgatar o esqueleto de algumas pipas, mas nunca consegui.
As mangueiras olhavam com inveja.
Em maio perdiam o posto de "lar dos namorados".
Não sei o que houve com o ipê hoje, não sei se continua rosando-se.
Mas hoje sei que ele representava muito mais para mim que um desafio.
Ele representava a renovação.
Quando víamos os primeiros pingos rosa no chão sabíamos que um novo tempo tinha começado. O ano tinha começado.
E, da mesma forma, quando víamos o tapete rosa no chão sabíamos que um ciclo tinha se acabado.
Mas não ficávamos tristes, com exceção de uma vizinha carola,
pois sabíamos que ano que vem tudo aconteceria de novo.
Esse ipê era o nosso relógio, o marcador de tempo de nossas infâncias.