Sonhando Médio

00h00m - O dia, de acordo com o relógio e com a translação da Terra (se eu não me engano) começou aí. E eu comecei o dia praguejando um pouco porque queria ter ido dormir mais cedo, lá pelas dez da noite, só que uma idéia de texto maravilhosa - que não queria ser materializada em palavras por mais que eu me esforçasse - não me deixou ir afundo neste intento. Fiquei fermentando a idéia e tentei batucá-la no teclado. Escrevi um parágrafo digno de escárnio e desisti.

00h34m - Vi que teria um dia de corno, só pra variar. Consegui escrever um diálogo bem raso sobre deus - pra variar - e postei no Fotolog. Li algumas coisas da Jacqueline K no Recanto e depois fui sentir um pouco de dor lendo as poesias do Felipe Campos Peres, no Esquina. Decidi ir dormir.

01h34m - Bem, depois de uma hora da tomada de decisão, deitei pra dormir, o que significou rolar na cama trinta e oito vezes antes de pegar no sono. Sonhei que estava em uma sala com sofás vermelhos (?) com uns adolescentes e encontrava a Deborah sentada no braço de um deles. Dos sofás, quero dizer. Cheguei perto dela e nos abraçamos com força e eu falei que a amava. Só que aí o pai dele apareceu chutando a porta do meu quarto (!), me jurando de morte. É foda ter que agüentar desaforo no próprio sonho. Acordei e fiquei rolando mais um pouco na cama.

03h50m - Acordei achando que tinha perdido a hora. Sonhei que estava numa hidromassagem com um amigo gay que vive me oferecendo chupadas memoráveis. É, acho que preciso de mais amor na minha vida...

05h50m - O celular desperta e eu me regozijo com o pensamento de dar cano logo no primeiro dia.

05h55m - O celular desperta e eu penso que o melhor sono é aquele que dá depois de transgredir alguma coisa.

06h00m - O celular desperta e eu me estico na cama.

06h07m - O celular desperta e eu levanto antes que acabe dando merda.

06h08m - Fui direto pra cozinha. Tirei o leite da geladeira e peguei o bule. Coloquei os dois em cima do fogão. Abri a saída do gás. Só que fez um barulho tipo de maçarico. Fechei o troço e verifiquei se tinha algo de errado. Aparentemente, não. Eu poderia com segurança abrir todas as bocas e explodir o quarteirão numa boa. Abri de novo uma boca e esperei o barulho parar. Acendi a faísca lá pensando no meu testamento mas nada aconteceu. Escovei os dentes. Voltei e acendi outra boca e coloquei uma frigideira e joguei um pão amanhecido que de outra forma seria totalmente intragável. Comi aquilo ciente de que a azia me faria uma visitinha durante o dia...

06h15m - Tentei assistir televisão mas não consegui. O Rainha da Praia já tinha acabado. Nada de sorriso lindo de moleca da Carolina que fazia dupla com a Maria Elisa e nem do slow motion das bundinhas tremelicando no replay de numa cortada vitoriosa.

06h35m - Alonguei o corpo e fiz duas flexões. Preguiça.

06h45m - Banho.

07h23m - Lotação não tão lotada. Dei sorte e estou sentado. O ruim é esse tiozinho de camisa xadrez que sentou do meu lado ter cagado nas calças.

07h55m - Cheguei rápido no Metrô. Logo de cara veio um dos novos, com ar-condicionado e muito espaço pra ficar em pé curtindo o protótipo de inferno que tem o preço de um bauru caprichado.

08h15m - Desço na Sé e pago o Metrô pra descer no Paraíso.

08m25m - Paraíso é um eufemismo bem do sem-vergonha. Decidi sair da estação e ir andando até a Brigadeiro apreciando a paisagem (bundas, cabelos molhados e faróis acesos), ouvindo a música urbana (barulho de salto alto) e respirando um pouco de ar fresco (Carolina Herrera, Victoria Secret, blablablá). Gosto mesmo disso.

08h51m - Chego no prédio e trombo a Lari logo no saguão. Conversamos um pouco e ela falou que eu podia subir, já. Foi o que eu fiz.

09h00m às 09h45m - Esses quarenta e cinco minutos transcorreram com ela, Lari, me mostrando as coisas que eu terei que fazer, assinar, contratar, manipular e toda a gama de procedimentos que ouvindo de primeira parecem ser impossíveis de serem assimilados. Conversávamos diante de uma janela do quinto andar que dá direto na saída do Metrô Brigadeiro. Mau grado meu ter visão de ave de rapina. Ave de rapina sem bico...

10h50m - Não aconteceu muita coisa nesta última hora: Fiquei contando aviões, olhando os galhos de uma árvore da rua de baixo balançando pra lá e pra cá e tentando descobrir desenho em nuvens enquanto a Lari preenchia planilhas e fazia mil coisas que desconheço ao mesmo tempo. Um helicóptero pousou num prédio bonito ali da Paulista e o céu está bem azul. A vida parece ser boa demais pro meu gosto, tem hora...

11h00m - Hora de ser apresentado aos outros funcionários. Advogados que recebem por mês o que eu já recebi em toda a minha brilhante carreira como entregador de listas telefônicas, operador de telemarketing e analista de documentos de veículos a serem financiados. Dentes brancos. Stress. Varas criminais. Relatórios, contas, reembolsos, processos, vias circunscritas - eu morreria de mau humor no lugar deles. Quer dizer, não morreria não, pois já passei por coisas aparentemente piores e ganhando infinitamente bem menos. Eu digo “aparentemente” porque cada um tem o próprio inferno e o que pode ser uma penúria pra mim pode ser um orgasmo pro outro. Mas, de qualquer forma, acho que a vida não me deixaria provar do mel de ganhar rios de dinheiro e me estressar com meus próprios problemas e não com o dos outros. Sou muito pessimista, né? O que aconteceu foi o seguinte: A Lari foi incumbida a muito contragosto de me apresentar pra galera e isso é bem compreensível. Vou poupar meus dedos de narrar a magnitude do meu embaraço ao ser apresentado para um monte de gente estranha. Ô vontade de cavar um buraco até o Centro da Terra e fazer campana com uma calibre 12 até ser devorado por formigas de dois metros de altura que me dá nessas horas...

11h21m - Foi-me dada a missão de ir até o Cartório na 13 de Maio tirar umas cópias autenticadas de umas paradas. Devo dizer que gostei muito, mas muito mesmo dessa missão. De início o calor do lado de fora me deu uma preguicinha, mas assim que saí do prédio e vi uma loira esperando pra atravessar a Avenida me senti revigorado. O trajeto até o Cartório foi bem tranqüilo e minha retina se divertiu bastante e minha mente também se divertiu com as reminiscências das tantas encrencas que eu já arranjei nessa bendita região. Aliás, bons tempos em que eu tinha o epíteto "sinônimo de encrenca".

11h55m - Voltei com os documentos xerocados e autenticados. Meu estômago começou a me castigar soltando ácidos sem a menor clemência. Eu precisava comer. Ah, se precisava! E, no almoço, eu viria a descobrir o que é ter uma vida um pouco mais decente do que estava acostumado.

12h00 - E fomos almoçar.

10/03/2011

(Continua)

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 11/03/2011
Reeditado em 11/03/2011
Código do texto: T2841175
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.