CRÔNICA - BRASIL – Um país pródigo

 

Crônica – Brasil – Um país pródigo – 10.03.2001

 

            De vez em quando lemos na imprensa que o presidente da república cortou bilhões do orçamento anual de gastos do governo, a fim de economizar e de exercer maior controle sobre a inflação.

            Pra quem é de fora, de outros países, a notícia soa com reflexos altamente positivos e dá a entender que esta é uma nação séria, que procura se ajustar às exigências do mercado, do momento e da situação de embaraços por que passa o mundo.

            Mas eles não sabem de que maneira é feita essa peça orçamentária, que deveria, a meu julgar, ser a mais importante lei a regular os gastos com a máquina pública, seus investimentos, programas sociais, etc. Geralmente aprovado às pressas, quase no último dia de cada ano, esse documento é superestimado ao extremo justamente para numa situação de emergência, mesmo fabricada, as autoridades se passarem por austeras, cortando verbas que nem por sonho seriam destinadas a gastos com as rubricas indicadas. Conversa pra boi dormir. Sim, porque quando eles precisam de dinheiro é só colocar a máquina pra imprimir e empestam a nação de papel sem lastro, parecido com higiênicos.

            Recentemente, houve um corte de 50 bilhões no orçamento deste ano, promovido pela novel presidente Dilma, que em sendo cria dos últimos governos sabe perfeitamente manipular essas jogadas do tipo impressionista. Mas logo depois, ela elevou de maneira substancial o valor do bolsa família, em detrimento de um melhor salário-mínimo para quem trabalha e de melhor reajuste pra quem está aposentado, e pensionistas. A conclusão lógica é de que o bolsa-família é pago por trabalhadores da ativa e da reserva, pois a esses são concedidos aumentos tão ínfimos que proporcionam economia para bancar a fábrica de votos dos partidos do governo.

            O pior de tudo é que eles não falam que esse dinheiro vem do povo, pois governo algum o possui, e os pobres coitados ficam pensando que pertence aos governantes quando eles dizem: “Acabamos com trinta milhões de miseráveis”. Mas isso até quando minha gente? Seria pro resto da vida esse vínculo tão promíscuo entre o “povinho” e o governo? Quem viver verá... Apenas para não me esquecer: Sabem que o salário reclusão, sim aquele do preso é de R$ 580,00 por mês, acima do mínimo? Que vergonha!!!

            Mas vamos aqui falar do carnaval, essa festa dos diabos, que consome fabulosas quantias em dinheiro vivo por todo o Brasil, com despesas supérfluas, enquanto que crianças e adultos morrem de fome e de doenças nos corredores dos hospitais; falta assistência médica, escolar e segurança, itens mínimos e essenciais à vida.

            Ora, somente aqui no Recife (não falo no Estado de Pernambuco) a notícia dada pelo próprio prefeito é de foram consumidos trinta milhões de reais, quantia suficiente para deixar boa parte da população miserável morando em condições mais dignas. Daqui não quero nem pensar quanto desse dinheiro fora desviado pro bolso de A ou B, até porque nossa classe política é das mais honestas. Enquanto isso, as obras de recuperação de cidades nordestinas atingidas pelas últimas enchentes correm a passos de cágado, porém eles pouco estão se lixando.

            Os leitores já imaginaram o que a prefeitura e o estado do Rio de Janeiro gastaram com o reinado de momo deste ano! Decerto uma fábula, além do que houve aquela tragédia (?) do incêndio de vários barracões de escolas de samba, que deve ter custado caro aos donos do poder. Mas isso logo após a desgraça que ocorrera nas cidades serranas, que ainda não foram recuperadas, e só Deus sabe o tempo que levarão para isso. Penso que eles têm pano pras mangas para trabalhar em cima disso mais umas três eleições, prometendo como sem falta e faltando como sem dúvida.

            Não há cidade, por mínima que seja, no nosso Brasil de macacos, que não tenha gasto com os festejos momescos, cuja prestação de contas é assim de uma banalidade sem igual, pois são despesas de difícil comprovação, quer sejam de investimentos ou mesmo de custeio. Quem, por exemplo, vai duvidar de um recibo firmado por um cantor de renome, mesmo que tenha sido pródigo ao assinar um valor mais elevado do que o que realmente recebera?!

            Num país em que falta tudo a postura correta seria que cada clube, agremiação, liga etc. bancasse suas próprias despesas; que o governo com nada entrasse nessa gastança, deixando os nossos recursos para atender legítimas necessidades do povo. Garanto que não deixaria de haver tais festividades; os bailes dos clubes voltariam com toda aquela sua graça e beleza, e a criatividade do povo se sobressairia galhardamente dessa situação aparentemente difícil.

            E com uma festa em cima da outra (Natal, Carnaval, São João e outras menores) o dinheiro do povo vai se dilapidando e nada de melhoria se vê no bem-estar da população tão carente. Ainda acham pouco e entram com o carnaval fora de época todos os anos. Durma-se com uma idiotice dessas...

            Claro que a festa é bonita, os desfiles também, mas não se pode manipular o dinheiro do povo com gastos de pouca consequência para a nossa população.

 Vídeo sugerido: http://www.youtube.com/watch?v=yXizQfpRioI

Foto: GOOGLE

Em construção/revisão.

Interações que recolho com muito prazer:

 

10/03/2011 18:47 - anabailune:

Este é um governo que governa para o povo; ou seja, faz aquilo que é preferência do povo! Preferem economizar o ano todo para comprar uma fantasia, a tentar economizar para a compra de uma casa, ou a educação das crianças. O povo gosta de se drogar, e o governo dá ao povo o que o povo quer. Infelizmente, reflete a vontade da grande maioria.

Para o texto: CRÔNICA - BRASIL Um país pródigo (T2839855)

10/03/2011 18:54 - Eurípedes Barbosa Ribeiro:

Pois é meu caro Ansilgus. Aqui na Bahia, onde a indústria do carnaval movimenta bilhões, uma artista como Ivete Sangalo, que possui jatinho particular e conta bancária recheada diariamente pelas centenas de patrocinadores, ainda leva alguns milhões do Ministério da Cultura. Para pular o carnaval em cima de um trio, e fazer pular aqueles que podem pagar até mil reais por uma camiseta vagabunda, chamada de abadá! E o Bel, do Chiclete, que levou uma merreca de R$2 milhões da Gilette para tirar a barba, também mama nessa boquinha. Quanto ao corte de R$50 bilhões, nada a ver com seriedade. É só uma parcela da dívida que Lula contraiu para eleger a Dilma. Que continua a alimentar a gastança com o curral do Bolsa família, com aumentos de até 45%, sem que tenha que pedir autorização ao Congresso. Que manipula o salário mínimo. PAÍS DE TOLOS ESTE! Que se contentam com o pão e o circo dos oportunistas. * Parabéns por mais este texto de muita lucidez e oportunidade. * Um abraço e uma boa noite.

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10/03/2011 20:25 - Celêdian Assis:

Meu caro amigo Ansilgus, uma das expressões acertadas que já ouvi "O Brasil é um país de contrastes". Tem abundância de alimentos e boa parcela do povo que passa fome; sofre as tragédias naturais e o povo sofrido é quem presta toda a solidariedade; tem cidades destruídas e "sem" recursos para a reconstrução, enquanto outras se revestem de luxo e opulência para as festas ocasionais; entre tantos outros contrastes, o povo tem uma capacidade enorme de renascer das cinzas e sorrir, constituindo o que denominam "o povo mais alegre do mundo". Ouvi dizer que em um dos carros alegóricos de uma escola de samba do Rio, foi investido 160 mil reais só para fazer movimentar os braços de uma das alegorias. As escolas que tiveram seus apetrechos queimados estavam na avenida, senão com tudo reconstruído, mas ainda assim como muito luxo. Ora, alguém paga esta conta? Quem senão este próprio povo, que é quem recheia os cofres públicos através dos impostos sabidos e tantos outros que estão indiretamente embutidos em tudo que consomem. E voltando aos contrastes, é este mesmo povo que recebe miseráveis bolsas, como se fossem presentes valiosos e com a propaganda de um governo que quer parecer o mais benevolente do mundo. Sua crônica mostra de forma clara e concisa, toda esta multifacetada gama de engodos, que tornam o Brasil, o país dos contrastes. O carnaval é legítimo e uma tradição que não deve morrer, mas é preciso rever se os fins devem justificar os meios. Excelente seu texto, com toda a sua lucidez e frontalidade, além do seu louvável apreço pelas questões sociais. Um grande abraço, meu querido amigo.

Para o texto: CRÔNICA - BRASIL Um país pródigo (T2839855)

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10/03/2011 19:02 - Vânia Gomes:

Olá, Ansilgus! 1. Concordo com você plenamente. 2. Nosso governo é a cara do nosso povo. 3. Já dizia Oscar Wilde?A democracia (...) quando usada com certa dose de amabilidade e acompanhada de prêmios e recompensas, torna-se assustadoramente desmoralizante? Concluindo: acho que isso não vai mudar tão cedo... Parabéns pela excelente crítica! Grande abraço.

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10/03/2011 23:37 - Giustina:

Esplêndida crônica, Ansilgus! Concordo plenamente que os gastos desses festejos deveriam ser deixados para as agremiações, escolas de samba e associações em geral. Num país onde tudo falta, onde o trabalhador tem que ser um mágico para sobreviver, onde o aposentado é tratado como coisa descartável, onde o ensino não ensina, onde as pessoas morrem por falta de hospitais, onde miseráveis se arrastam pelas ruas... E por aí vai... O mínimo que se deveria fazer era dar prioridade às coisas básicas. Mas, infelizmente, a própria população contribui para que essas verbas exorbitantes sejam destinadas ao Carnaval. Reclamam por ter de enfrentar uma fila para conseguir vaga numa escola, mas passam duas, três noites dormindo ao relento só para adquirir um ingresso para o Sambódromo. No meu entender, existe culpa dos dois lados. Parece que o povo gosta mais de circo que de pão... Parabéns por esse grito de protesto! Grande beijo.

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11/03/2011 14:06 - ANGELA ROLIM:

Adoro suas crônicas sempre muito sensatas e bem redigidas! Se me permite eu diria que o Brasil não gasta com festas ele investe na alienação da população, se utilizando da antiga premissa 'o ópio do povo', no nosso caso futebol, festas e cerveja. Assim não dá tempo reclamar de nada nem se lembrar dos problemas.



ansilgus
Enviado por ansilgus em 10/03/2011
Reeditado em 12/03/2011
Código do texto: T2839855
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