37. Dentro da casa de Claude Monet
Entro na casa em si mesma, já passei pelo estúdio, não me apetece falar dele, não me diz nada, vejo um grupo de brasileiros à minha frente.
Continuo de bloco de notas na mão, como sempre. Está nas últimas folhas.
Mais brasileiros. Olham para mim, um deles, uma deles para ser mais exacto, olha para mim com um ar curioso, um homem só de chapéu branco na cabeça a escrever, mas nem imaginam que eu possa falar português como eles. Se soubessem talvez não dissessem o que estão a dizer.
Ainda por cima ando de chapéu na cabeça. Pareço pouco português. Não abro a boca, não preciso, uso apenas a esferográfica e o bloco de notas.
Muita pintura japonesa e muitos japoneses. Entro em outra sala. Tive de descer dois ou três degraus, suponho, não os contei. Uma sala maior do que a anterior. Muita luz.
Quadros pendurados ao estilo do século XIX: ocupam todo o espaço disponível da parede.
Muitos conhecidos. Serão originais? Não tenho saber para isso. Mas não deverão ser.
Temas banais tratados com toques instantâneos.
Vou escolher uma pintura. Vou vê-las todas. Uma, outra e ainda outra e de novo. Dou uma e duas voltas ao quarto. E escolho: ‘Sur la plage à Trouville’ (na praia em Trouville). Como suspeitara: o original está no Museu Marmottan, em Paris. O quadro está datado do ano de 1870.
Estive indeciso entre este quadro retratando duas jovens banhistas de trança à beira-mar e ‘Les coquelicots à Auteuil.’ (papoilas em Auteuil). Este foi pintado em 1873 e, coinfirma-se a suspeita, o original encontra-se no Museu d’Orsay, também em Paris. Confesso que pensei ainda, na outra parede, parede norte, as ‘Nympheas.’ (os nenúfares) Este é de 1903 e está no Marmottan.
Escolhi o primeiro porque gostei mais do primeiro e só por isso: pela primeira impressão.
Subo ao segundo piso, tenho que ajeitar o caderno, conto um a um os dezasseis degraus. Em cima, avisto dois quartos, o primeiro, à minha esquerda, está fechado, o do fundo está aberto. Antes de avançar, espreito pela janela à minha direita: dá para a rua onde estive três quartos de hora à espera de entrar na casa.
O quarto do fundo é o quarto de cama de Monet. Tem janelas a sul e um enorme janelão rasgado a poente. A cabeceira da cama, uma cama pequena, bastante até, está voltada a nascente.
As duas, acho que são duas, janelas a sul dão para o jardim Uma latada acompanha a casa. Não se pode tirar fotografias e eu não vejo ninguém desobedecer.
O
Dois quartos à frente, um outro quarto de cama. De quem seria? Volto ao quarto de Monet e pergunto ao guarda: da segunda mulher de Monet.
Num minúsculo espaço, no topo da escada do outro lado, acho que existem duas escadas, uma máquina de costura da marca ‘Hurtu.’ Com janela a sul. Desço dezoito, ou dezassete ou dezasseis, não fixei a conta, fui contando os degraus um a um à medida que ia descendo, mas ao chegar lá baixo fui distraído por outro brasileiro. Estou à entrada da sala de jantar. Toda pintada de amarelo. Excepto o tecto. Mais pintura japonesa. Loiça oriental. Lareira revestida com azulejos azuis. Chão coberto por mosaicos brancos e vermelhos? Não sou bom em cores. Haverá quem dê outro nome às minhas cores.
Cozinha: tons de azul. Trem de cozinha em cobre. Fogão enorme. Metálico.
Saio para o jardim, enfim, a parte mais interessante da casa.
Mário Moura
Giverny, 15 de Julho de 2010