Rei Momo Roberto
Sou do tempo que só o Rei Momo ganhava o carnaval. Com o rei Roberto no bloco nem Rei Momo tem graça. Mas o pior é que tenho a impressão de que o carnaval acabou. Terminou a cultura musical do carnaval em muito
s lugares do Brasil. O carnaval se transformou numa exibição, num desfile de coisa para ser vista, contemplada. O povo novamente retorna a passividade de espectador, já conduzida pelas novelas da televisão.
Carnaval da brincadeira de rua onde todos se adornavam para rir e desritualizar a vida de relógio acabou em muitas regiões. Em alguns ambientes há certo esforço imitativo a exemplo do Rio de Janeiro para o processo de construção da mostra na avenida. Atrai dinheiro para que todos fiquem olhando. A receita do bolo é novamente a receita de tudo o que se joga neste país: um ganhador e os demais... Este é o ponto alto do rei e seu reinado.
Em muitos lugares não há mais Reis Momos. Alguém deve ter dito que ser obeso é feio. Os Reis Momos emagreceram e passaram a ser acolhidos pela crítica das passarelas sem maiores adulações. Como o carnaval virou teatro de passarela é na passarela o lugar onde gostam de gente seca, magricela, delgada. Gente que não chame atenção sensual senão para as roupas que vestem.
Mas o carnaval terminou. Resta admiração de ver um povo inteiro voltado para a organização de um evento magistral e incapaz de prover hospitais com decência. Os serviços públicos continuam esquecidos dentro da fabulosa alegria infantil. A hilaridade cultuada pela política de macacos de auditório. Aquela que renova em sorrisos de propaganda a vitalidade mórbida da miséria nacional.
No Rio de Janeiro com o incêndio da fábrica de sonhos a solidariedade na alegria triunfou. O rei foi rei de seu império emocional dividido em forma de canções de sucesso. Seu ouro é fruto dessa riqueza abstrata espalhada como remédio aos desgraçados. O povo da unidade de tratamento intensivo (UTI) não tem leito, espera a morte no corredor com atendimento precário. Ausência de soro sublima o alívio das paixões modestas sobre à noção lógica das atividades fundamentais.
Somos campeões da dissimulação, do atletismo, do canto de todas as ilusões, porque sofremos sem desejar a cura do mal que nos atormenta. É como se o mal fosse natural e jamais efeito de ação lógica, planejada e lucrativa. Temos carnavais e reis. Reis que ganham sempre o merecido afeto das populações desvalidas. Moram na alma dos garis que varrem os resíduos do amanhã na inundação caótica de inconseqüência diária. Temos a felicidade e logo passamos para o futebol do ano inteiro.
******************